quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Hoje eu tive certeza que ela sabe quem eu sou, mesmo que ainda não tenha me achado na lista, que não faça a mínima ideia de qual é o meu nome. Sabe também que era eu, naquele café, naquela tarde quente da metade de setembro, não sei que horas. Sabe que fui eu quem olhou para a mesa dela para saber quem é que tinha dito aquilo, mesmo que talvez não tenha sido ela. Mas não sabe que eu olhei a segunda vez para gravar os rostos, os rostos que não gravei, e que senti vontade de falar que ninguém nunca tinha dito algo que me havia feito sentir tão compreendida. Uma estranha, eu pensei naquela tarde, achando que nunca mais voltaria, e que se voltasse pelo menos lembraria quem disse aquilo, aquilo que eu tanto quis dizer, mas nunca consegui.
Hoje eu tive certeza que ela sabe quem eu sou, perto da minha mesa, depois na saída do banheiro e depois da mesa dela. E sei que em cada olhar existe a desconfiança de saber que eu ouvi tudo, e que talvez não tenha compreendido. Mas, afinal, eu nunca saberei quem foi que disse aquilo, e ela nunca saberá que eu ouvi cada relato, os olhos quase transbordando, a vontade de sorrir um sorriso tímido pedindo que me entendesse também, que era ela, que ela era eu, e que aquela torta de chocolate, dois ou três pedaços, era o que mais de incomum poderia haver entre nós. Só que eu sempre gostei de chocolate.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Sem título, sentido e motivos

Eu quis usar pseudônimos e batons vermelhos e realidades que não eram minhas. E acordar sem o despertador, mesmo tendo horário para chegar naquela casa de madeira, sempre com cheiro de velha ou café, nunca os dois odores. Eu quis sair na chuva, no meio do inverno, e só voltar no meio do verão, sem o vestido vermelho ou o cabelo claro. Eu quis não dar nomes aos mundos, pois algo em mim tentava deletar, sem conseguir, essas pastas que eu criei e que ele vê como caixas. Tu guarda tudo em caixas, ele me disse. A arrogância me queimando a cada palavra pronunciada. Eu sempre guardei tudo em caixas, em gavetas, em cadernos, cinco, seis, sete, mais agendas e livros que nunca vão sair da caixa marrom. E guardei uma caixa dentro da outra. E quando saí de casa, a primeira coisa que pensei em levar não foram os quadros ou as roupas, foram as caixas. Porque já não me via em outro lugar, em outras coisas, senão dentro daqueles pedaços coloridos de papelão ou madeiras desbotadas, as trancas enferrujadas. E agora que as trouxe, simplesmente não sei o que fazer com elas. Deixo-as do lado da cama, vazias, receando preenche-las com invenções que eu quero me livrar.
Eu quis usar pseudônimos e usei. E usei a chuva para disfarçar as tristezas e os barcos para afogar as certezas. E caminhei sem botas às 2h da manhã de um mês quente, sempre esquecendo que novembro é o mês mais doce e mais quente de todos, que engoliu outubro e setembro e o cansativo agosto. É isto que sobra no meu estômago depois de todo esse tempo, que mesmo tendo parecido pouco, foi mais do que alguém poderia colocar em uma partitura   e tocar ou cantar. Sobram os contos que eu prometi escrever e não o fiz, as músicas repetitivas e o sol que nasce no final de um dia cinza. Sobra a loucura desgastante que eu abandonei naquela esquina sem bar, mas que não me abandonou. Porque a cada passo apressado para pegar o ônibus está o desconforto de carregá-la na bolsa, no peito, nas mãos, cuidando para que não caia e fique em mil pedaços, e me deixe em outros mil cacos, pois a linha que nos separava foi a mesma linha que nos uniu.
Eu quis usar essas desculpas, essas que são resultantes da loucura, do abismo, e do meu repertório de palavras já bem enjoativo. Eu quis usá-las na tentativa de me livrar de mim. Ou disso que digo que faz parte de mim, que se instalou na alma, nos corredores vazios dessa espera. Eu quis escorrer para baixo de mim mesma, e só sair quando o frio surgisse, quando a neve caísse, quando todos os pesadelos fossem desmoralizados pela coleção de substantivos e nomes. Mas não consegui. E deste quase fracasso surgiu a tentativa de escorrer para cima, e sempre para cima, esperando uma chuva que não cai, em uma sexta-feira que não passa, de um mês que quase suprime o calendário, que quase suprime as vidas criadas. Mas nunca suprime.

Querida Natasha,

uma vez eu li 'o problema de todas as histórias é que elas são contadas depois do fim'. Acho que levei essa frase muito a sério e resolvi contar antes que elas acontecessem. Ainda não sei avaliar os resultados, os estragos. Isto se eu posso chamar eles de estragos. Aquilo que você disse nas primeiras cartas, sobre criar antes de viver. Bem, até que ponto consigo aguentar, me pergunto. E em que lugar isso tudo vai dar. 
Ontem choveu e eu quis tomar banho de chuva. Mas os pingos eram muito finos. Sempre penso em você quando quero fazer algo e o meu orgulho impede. Penso que você me diria 'vai lá'. E eu estou indo, sabe. Nem sei pra onde vou, mas vou. Acho que agora isso é o mais importante. Levo alguns mundos, não no colo, como você quer, mas nas costas. E talvez seja isso que me deixe tão pesada, sabe? Não consigo colocá-los dentro de mim. Na verdade, não quero colocá-los dentro de mim. 'Eles' dizem que só podemos ter uma vida, um mundo. E eu não entendo, não entendo porque em um dia não posso ser uma coisa e na semana seguinte outra. 
Eu queria te contar que. Mas uma quase ressaca acordou comigo, acordou de uma noite mal dormida. Uma quase ressaca moral, mesmo que eu não identifique os motivos. E da semana, a casa bagunçada é o que ficou. Não sei o que é que eu tenho para contar. Hoje não tem chuva, mas o dia está cinza. E nada me conforta mais do que um dia sem cor.

Com carinho,
Thaís

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Querida Natasha,

sempre pensei que trabalhar em algo assim pudesse curar essa coisa que não sabemos de onde vem, mas que por vezes se chama 'vazio' e vivemos procurando algo para colocar no lugar. Pensei que ver a dor dos outros pudesse diminuir a nossa. Mas não sei se, a longo prazo, funcionaria. Não como uma questão de egoísmo, mas de olhar para o próprio umbigo. E olhar para o umbigo do outro.
Lembro que eu te disse que sair de casa é sempre uma possibilidade de. Que isso era melhor do que ficar sem fazer nada. E não pensei que te envolverias tanto. Você mesma disse que sempre foi metida a forte. Mas te entendo quando dizes que a miséria é um monstro, que o teu ponto fraco é a humanidade. Não coloque o mundo no colo, por favor. Acho que ele nunca poderá ser salvo. E não digo isso com o meu lado pessimista.
Sei que, apesar disso, os teus dias estão sendo bons. E ler que estás de braços abertos é saber que a vida está se desdobrando para ti da mesma forma que para mim. Que apesar de estarmos em lugares diferentes, tendo experiências diferentes, a essência é a mesma. 
Não tenho feito muito mais do que você. Acumulo garrafas de vinho vazias ao lado da geladeira e aprendi a colocar em prática uma coisa que antes vivia só na teoria. A dançar na ponta dos pés, mas com força, sem pressa, sem medo da chuva, sem desespero. Tenho uma vontade absurda de ser tudo, de querer todos os mundos, mesmo que não queira colocá-los no colo, assim como você. E é justamente por essa vontade que danço, sem me importar se estou seguindo o ritmo da música. O mais importante é dançar.
Enquanto você sofre com a gastrite, sofro com dor de garganta. E alterno os remédios com cerveja. Não faça isso. Sempre passa, a velha frase clichê. Que nunca deixa de ser verdade.
Trouxe quase todos os livros para o apartamento novo. Pendurei o quadro da Lispector, do Chaplin e do Bukowski. Comprei uma mesa, um lixo para a cozinha e cortinas. Não bebo mais chá de morango e café com açúcar. Coloco Chico às 3h da madrugada, a mesma música, repetidas vezes, com a janela aberta. Sei que os vizinhos me odeiam, mas não os conheço. E cultura faz bem, mesmo que no meio da noite. Às vezes coloco Beethoven, fecho os olhos e penso que posso conduzir todos os meus sentimentos. Mas sei que não posso. E esse sempre vai ser o meu problema.

Com carinho,
Thaís

Em resposta a http://apertateclasap.blogspot.com.br/2012/11/querida-thais.html
De tudo isso ficou uma vontade de sair correndo por essas ruas vazias, gritando esse silêncio, calando essa tortura. Essa vontade se alterna dentro de mim. Às vezes dança, bem de leve, os pés fazendo cócegas no peito. Às vezes pula e se rebate, machuca, fere o que já não suporta tantos cortes. 

Considerações finais sobre um conto não escrito

Eu te fiz tantas poesias, tantas que nem cabem nessa agenda atrasada. E te fiz desenhos. E sonhos. E músicas. E madrugadas. E luas. E insônias. Meu deus, quantas insônias eu fiz só esperando que a manhã chegasse e depois a noite e o lugar das formigas e os aviões pousando. E talvez umas cervejas. Mas nem sempre fiz questão de cervejas. Fiz questão de você, em todos os dias, noites, nas vozes, nos pesadelos. Até nas presenças eu fiz questão de você. E também nos dias de chuva, sem guarda-chuva, sem galochas, sem finais de sextas, quartas, quintas, segundas e terças.

domingo, 18 de novembro de 2012

Tô só esperando, aqui na cadeira vermelha, no 3º andar. Tô só esperando as luzes dos prédios e das ruas serem engolidas pelos gritos do sol. Tô esperando com o vinho que eu não abri, com a carta que eu ainda não respondi, esperando uma espera, algum lamento, o surgimento de alguma história. E tudo surge debaixo desta janela, onde os carros nunca param de passar.
Tô só esperando essa poesia que não vem, os passos que não escuto no corredor, a lua que só aparece às 3h. Tô só esperando trocar o dia, a hora, o mês, o ano. Mas não troco de música. A Rita levou meu sorriso. E eu te perdi naquele bar que não vou mais. Só tava esperando outro bar aparecer. Mas quem não aparece mais é você.
Tô só esperando um outro começo para este mesmo texto. Espero sem pressa, porque não há espera pior do que aquela acompanhada pela ansiedade. E, enquanto espero, Rita segue tocando, matando amores e sorrisos.

M.B.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

"É um mito, esta cidade, com seus quartos e janelas; mitos fumegantes." Capote

Haveria sempre o bar da avenida, o bar da esquina e o bar novo. Inevitavelmente, em cada um deles, uma história velha. Uma história que eu uso e desuso nos textos, nas lembranças, na agenda amarela atrasada. E não tenho vergonha de ser repetitiva. Mas não escrevo mais estas histórias em páginas em branco. Escrevo na confusão dos dias, nos pesadelos das noites, no café forte da manhã e na loucura que vem às 15h, depois do excesso deste último.
As luzes desta cidade continuam a um palmo da janela. E eu penso em todos os outros mundos que não são os meus, que não são meus. E tento imaginar se um dia serão. A verdade é que não os quero. Sequer consigo aceitar a existência deles. Ela pesa. É como uma comida que não foi digerida e está no estômago. Como a cerveja quente que não desce. Como a geladeira vazia. E, entretanto, desenho desfechos para todos os mundos, guardo-os dentro de mim, contra a minha vontade. Tudo ressoa como o sino da igreja que eu vejo quando o ônibus passa por aquela rua.

VI

Você está ali me dizendo para fazer menos barulho de madrugada, que vou acordar os vizinhos, que Beethoven precisa ficar mais baixo e a janela deve estar fechada, por causa dos mosquitos. Mas preciso deixar tudo aberto e dançar uma música sem ritmo, sem cor, sem som. A verdade é que na minha mente não há esse filtro de quem vou acordar ou que horas são. Preocupo-me é se o vinho está terminando. E, quando ele está, te peço para ir comprar mais no bar da esquina, quase sempre fechado, ou no posto. Na terça, quarta, quinta e todos os outros dias. E todas as manhãs que você me acorda muito cedo e eu finjo ainda estar dormindo, porque sinto um sono tão grande que não morre na primeira hora que nascem os raios de sol. Todas essas manhãs eu emolduro em um quadro sem imagem real. Apenas a nossa imagem a se distorcer no tempo. E na música que você cria com a flauta de R$ 1,99.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A casa respira ausência e expira saudade.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Minha vida anda tão doce que não coloco mais açúcar no café.

V

Pensei que poderíamos continuar descendo aquela rua que não tinha nome e depois subir a outra, algo como Osvaldo. E que aguentaríamos o calor deste verão que nem começou, desde que a cerveja nunca ficasse quente em nossas mãos e o fumo nunca se esgotasse do bolso da sua calça. Continuamos descendo, mais bêbados pelo tempo abafado do que de cerveja. Bem na esquina dessa Osvaldo senti vontade de gritar. Acho que adquiri essa mania no último ano. Quero gritar quando a paz vai para dentro de mim, como uma folha seca caindo em um monte de folhas molhadas. Mas minha vontade nunca vira grito, pois uma paz não pode ser exaltada. E por não conseguir gritar, te abracei ali mesmo, os olhos escondidos atrás do óculos de sol, as mãos embaixo da sua camisa branca de botões, pensando que a minha única preocupação era saber o horário em que precisaria estar no trabalho na manhã seguinte.