sábado, 28 de agosto de 2010

É que precisava dar pra alguém esse amor que nascia e morria todo dia porque não havia mais potes disponíveis. E precisava encontrar sorrisos ao invés de egoísmo. E precisava de cores e estrelas e nuvens desenhando estradas. Mas só a poeira do dia é que formava frases e a embalava pra dormir. E só a angustia dos papéis brancos e intactos é que a deixava sonhar com duendes e fotografias.
Não tinha consciência do saber. Nem ao menos havia uma inconsciência. O que é que podia ser mergulhada em reflexos e borrões?
É que precisava falar e ao mesmo tempo não podia ser ouvida. E precisava de castelos de areia e de incoerências. E precisava correr pra cair nas suas próprias armadilhas. E só o seu grito no início da manhã é que a deixava disposta a silenciar no restante do dia.

Caminhava, olhava pra trás e não via suas próprias pegadas na estrada. O que é que podia ser?

sábado, 21 de agosto de 2010

Cervejas, bares, pessoas e música alta. E, do lado de fora, na noite quase fria com a lua enorme brilhando lá em cima, o silêncio tênue das ruas vazias. O vento traz algumas folhas secas que penetraram sorrateiramente no inverno e, junto com as folhas, desenhos de dias e anos que se perderam no tempo. Mas essas perdas são sempre encontradas.
Quando passo pela porta do bar, tarde da noite - as luzes nos postes fazendo doer meus olhos, os pés doloridos e o corpo cansado, a mente evitando qualquer tipo de conversa com qualquer tipo de pessoa - fecho os olhos e esses desenhos são atirados violentamente pelo vento no meu rosto. O choque é sempre muito grande e tenho que cuidar pras lágrimas não saírem. Isso acontece também nos shows e eu nem preciso de cervejas, vinho ou algum destilado. É espontâneo e quando não é o vento joga essas nostalgias no meu rosto. É a própria melodia que acompanha as letras cruas e reais de dias que nunca morrem.
Mas agora, ah, faz uma semana que meu rosto não é ferido e parece que faz mais de um mês. Duas semanas que não as vejo e há uma falta tão funda que dói. Sim, dói. Mas dói também a presença porque quando há essa presença existe uma desilusão tão forte que anula o amor e eu quero fugir, voltar pra casa, me trancar no quarto e dormir.
E elas não podem decifrar o brilho nos olhos. Ninguém pode. Nem eu mesma posso. Difícil saber se é pela bebida ou se a confusão se dá na felicidade ou tristeza. Sem sinônimos ou antônimos.
Mudaram os conceitos e eu me pergunto se algum dia prometemos nunca mudá-los. Mudamos os sapatos, as conversas, as cores do batom, as roupas e a essência. E agora não sei onde é que ficaram as idealizações e realidades do que éramos - e fomos, de fato- e nos completávamos por sermos dez. Um pouco de cada uma conseguia me satisfazer. Esse pouco era a felicidade das minhas manhãs, as noites de risadas altas e perdidas no eco da escuridão.
Um dia essas noites começaram a virar nasceres do sol e as decepções vieram como cacos de frascos quebrados nas mãos delicadas. As minhas sangraram. As delas não porque são de ferro. E a diferença está nessa melancolia que apenas brota de mim e não tem fim. A diferença se constrói nos meus princípios e na falta dos delas. A diferença foi se tornando cada dia mais áspera e cruel e se transformou nesse abismo em que todo mundo vive na beirada e nunca pode pular por causa do medo.
Mas é que eu não posso virar as costas e ir embora. Sem elas eu não sou. Elas construíram a estrutura de mim que foi ficando forte e resistente no passar desses anos e agora vai entortando e querendo desabar.
Então não volto pros bares, não anseio cervejas nem a lua torta no final da rua estreita. Canto a música que me fazia chorar aos dez anos e que somente agora tem significado. O telefone não toca. Nem ao menos há o desejo de que ele toque.
Ninguém entende. Ninguém precisa entender. É que eu sou o lado que sempre precisa de mais e mais e mais à medida que os dias passam rápido e me esvaziam e nada supre essa lacuna.

“O que aconteceu à nossa sociedade ou à forma como organizamos nossas vidas e fazemos trocas uns com os outros que sem o sentimento de justiça você murcha e seca que nem uma am – eu me sinto pequeno e doente pra caralho, entro num bar e sinto que tem algo errado comigo, eu costumava entrar nos bares com passos decididos, é pra isso que os bares servem, se não para os passos firmes ao menos para entrar sem prestar atenção em nada além do que você tá fazendo com os seus amigos ou com os seus pensamentos; agora parece que todos nós entramos nos bares com medo e desconfiança e é por isso que faz um tempão que eu não vou em bar nenhum porque eu acabei de chegar numa cidade estranha onde eu não conheço ninguém.” Kerouac

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Eu a vi naquela palestra sobre fotografia, a sala lotada, as vozes todas tentando penetrar na minha mente. Tão linda que eu tinha vontade de dizer para ela nunca mais se mover. Tão linda com aquele cabelo loiro virgem meio preso com um rabicó verde e com um brilho tão inocente nos olhos. Ela era uma Miranda (personagem de O Colecionador, John Fowles). Talvez fosse a minha Miranda. Mas eu nem ao menos sabia o seu nome verdadeiro. Só via aqueles traços perfeitos do seu rosto, as bochechas levemente vermelhas e uma seriedade que me doeu. Achei que nunca mais fosse vê-la.
Ontem entrei na sala de aula, quase um mês depois da palestra, sentei e olhei pra frente. Reconheci o cabelo loiro e os olhos claros. Miranda. Não pronunciou uma palavra durante toda a aula. No final, perguntaram-na o seu curso. Não é o mesmo que o meu e ela se enrolou toda ao responder.
Vou vê-la toda a segunda, à noite. Agora sei o seu nome, idade e até ouvi a sua voz. Mas parece que alguma coisa me decepcionou. Acho que ela não é tão perfeita quanto pensei que fosse. É resistente demais, fala pouco demais e deve ser burra demais.
Sempre há uma lacuna.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O frio congelou todas as palavras que antes me mantinham aquecida. Sobraram apenas aquelas petulantes que mal formam uma frase. A melodia que tocava lá fora também foi congelada. Não há lua há tanto tempo que talvez ela tenha se despedaçado e virado esses flocos de neve que caem no telhado da minha casa.
As ruas dessa cidade cinza, 0ºC e uma infinidade de reticências. Como posso descongelar as palavras que preciso se nem ao menos a minha mente está livre deste frio? As incertezas estão, acordam comigo, escovam os dentes e caminham pelas calçadas escorregadias. As incertezas que sempre são tão egoístas e desenham o vazio dentro de mim. As incertezas que deixam o meu caminho mais fechado e silencioso.

"(...) e preciso bater a cabeça contra o vácuo generalizado quando quero explicar alguma coisa para alguém." Kerouac

Mas o "alguém" não tem sido mais do que o sol imaginário.