sábado, 30 de janeiro de 2010

Sempre havia uma marca da xícara de café na mesinha em seu quarto onde passava as suas noites de insônia. Papéis amarelados, brancos e azuis estavam sempre riscados ou amassados e formavam um tapete no chão de seu quarto. A cada gole de café surgia uma nova frase, mas quando o gole de café descia e o aquecimento interior sumia, a frase se perdia. E ela ia assim, noites e noites. De dia sobrava apenas o sono e as olheiras fundas que não combinavam com o brilho dos seus olhos pretos.

É que ela possuía uma felicidade ininteligível que se resumia nesses papéis amassados e nas frases perdidas. Ela era do complexo o mais simples mas nem por isso o mínimo. O meu reflexo, não. Mas quem sabe um dos recortes que ganhou vida. A mulher do guarda-chuva vermelho.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Ela tinha covinhas nas bochechas e falava alto. Sua risada soava tão aconchegante que por vezes, em nossas conversas, eu queria tirar um cochilo em cima da mesa do bar. Ela não tinha um vocabulário sofisticado mas esse era seu diferencial: a sinceridade exposta até nas palavras.
Já era bastante velha -no bom sentido- para nunca ter tido um namorado. Mas era aquela repulsa que algumas pessoas têm, o medo inconsciente de quem sabe um erro a mais, um tapa a mais, um constrangimento a mais. E ela teve, teve tudo isso quando conheceu um cara e ele foi o primeiro em tudo, e talvez o primeiro que ela poderia ter gostado, mesmo que fosse de um jeito estranho. É, ela realmente poderia ter gostado dele.
Ele tinha um roteiro de teatro muito bem escrito pela sua mente. Um roteiro que usava com todas as suas supostas ficantes. E mentiu tão bem, enganou tão bem que até mesmo eu acreditei.
Ele manchou a menina e a possibilidade de alguma coisa verdadeira em sua vida. Porque até onde eu sei, tudo pra ele se baseava em supostas mentiras que ele via como oportunidades. Mas nem sempre oportunidades têm apenas uma face.
Ele perdeu. Ela perdeu. Talvez ela tenha se arrependido agora. Mas ele, com certeza, vai se arrepender depois muito mais.

"É que havia um grande erro nele. Tão grande como se a raça humana tivesse errado." Lispector

Eu queria ter falado pra ela algo mais do que 'não se estressa com ele, não vale a pena'. Eu queria ter dito pra ela não desacreditar em tudo, como eu um dia desacreditei, e pensar que todas as pessoas são iguais. Queria ter dito que talvez não venha outro cara com vinho e óleo de massagem, mas com cerveja e sinceridade.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010



Começa a doer na minha insensibilidade.
Cores se chocam, olhares se misturam e a tristeza... ah, essa sempre me afoga, até quando a cerveja anestesiou ou o céu me vestiu e protegeu.
Os dados caem no tabuleiro e o jogo é desconhecido.
Gritos surpreendem o silêncio e em seguida as gargalhadas de uma criança e algum brilho que me leva a crer na união de tudo: tristeza, solidão, alegria, vazio, felicidade, indiferença.
Os lábios secos se fecham.
O dia se finda sem cores.
E o nó na minha garganta cresce mais todo dia.
Não sei mais de mim sem você aqui.
Não sei das palavras ou da leitura.
Sou o eco de uma forma desconhecida que se perdeu.
Sou a sombra apagada de uma voz.
Sou, agora, pó. O pó preso ao chão, invisível e limitado. Esperando.

Ainda é São Paulo. Eu, o meu amor e mais algumas pessoas entramos no bar e nos sentamos. Já é noite e as pessoas continuam a passar e eu continuo a tentar desviar o pensamento de que no dia seguinte vou deixar o meu amor e tornar a vê-lo depois de três meses. Eu queria que as pessoas ali compreendessem isso. Mas todos me olham como se eu fosse uma atração de circo, como se não pudesse haver alguma coisa dentro de mim. A garota sentada na minha frente fuma um cigarro atrás do outro e eu penso 'que merda de lei é essa se ela continua a fumar?' e eu começo a ficar com enjoo e deito minha cabeça na bolsa e escuto um cara do bar falando de amor e a cada duas palavras sai um palavrão como se amor estivesse ligado à sujeira. Soa duas risadas. Ele está jogando sinuca com um cara. Os olhos deles brilham como dois diamantezinhos, mas eles são dois homens com cara de derrotados, camisetas rasgadas e provavelmente vidas fracassadas. Eles estão sorrindo e gargalhando e talvez só isso bastasse. Será que basta?
Qual é a diferença deles e de dois homens que usam ternos e bebem vinhos caros em lugares caros e choram suas vidas lutadas e conquistadas que no final só trouxe a... solidão? Qual é a diferença?

Um tem a felicidade pobre.
O outro tem o dinheiro infeliz.

E eu, eu não querendo deixar o meu amor.
Quanta ironia!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Pensou que saberia lidar com o céu cinza, com as ruas movimentadas, com o metrô sufocante e com as estrelas que nunca apareciam. Pensou que saberia voar. E voou. E caiu. E nunca mais pensou.

Das palavras eu só tenho agora a que se chama vazio. E a empatia cai sobre nós e me penetra como uma agulha e eu sinto o trajeto que ela faz no meu corpo. E ela para. E ela olha meu sangue. E ela vomita.

Eu sei lidar com o céu cinza e com todas as coisas que ela não sabe lidar. Ou pelo menos eu penso que sei. Mas que dimensão o vazio pode ter quando o sol permanece escondido às 13:20 de uma quinta-feira?

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O vento podia mudar o que os dias jamais puderam.

A aquarela no aquário que move o peixe e o feixe de luz que entra pela vidraça do sótão. O peixe nada de um lado pro outro, esperando o próximo segundo, esperando que alguma coisa mude sua vida ou lhe deixe realmente vivo. Mas a luz é a única vida além dele naquele sótão e ele não pode falar e ele não pode gritar e ele não pode cantar. A única coisa que ele possui é uma excessiva solidão, muito maior do que seu próprio lar, muito maior do que uma casa ou um prédio de vinte e dois andares. A solidão pode não ter fim. A solidão pode ser amiga ou inimiga, depende como você a trata e como você lida com isso. Mas o peixe se alimenta dela, o peixe respira ela, bebe dela, dorme nela. O peixe é parte da solidão tanto como a solidão é parte dele.
Um dia acordou e viu a água do aquário ficando rosa. Demorou até descobrir que era seu próprio sangue. Seus olhos fixaram uma nuvem, uma nuvem tão silenciosa e agitada que ele pensou ser a morte. Sim, era ela. Sufocou-o e o esfaqueou sem pena, sem maldade e sem prazer. Ela era assim, apenas a vírgula de uma vida que vez ou outra se tornava o fim. Sem face, cor ou cheiro.


"Quanto a mim, assumo a minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio." Lispector


segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Preciso achar um pouco mais de mim em mim.