segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Prometo ser doce, não passar tantos dias seguidos escrevendo, preparar o chá, colocar no lixo as latas espalhadas pela casa, deixar os livros no sol, nos finais de semana. Prometo ser doce, mas não essa doçura opaca, escura como o céu das noites sem estrelas. Te prometo um sorriso quase pintado. Te prometo uma vida desajeitada, o fim das insônias, o início dos sonhos que, por enquanto, não passam de inexistências.

M.B.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Barbas Tortas, 23 de setembro de 2011

Querida Lissa,

setembro não termina mais. E também não se findam os pesadelos, o tempo encoberto, os finais de semana melancólicos e todos os e-mails não enviados. Estive pensando no fato de nossas vidas estarem atreladas à algo, algo que nos separa, também. E pensei em todos os sentimentos, as histórias, as minhas inventadas e a vontade inconsciente de vivê-las, as suas doces e complicadas, querendo fugir, se desconfundir. O problema é que o vinho é muito doce, as palavras amenas, a indiferença passageira. Sei que tudo está melhorando, aí. O mar deve ajudar. Você fala de cores. Talvez viva nas cores. Isso facilita. Eu as coloco em um álbum fotográfico, chamo de solidão e guardo no fundo da gaveta. São as sextas, os sábados, os domingos, as segundas e as terças. É o cansaço mental de ter de lutar contra as improbabilidades, o gotejar constante de expectativas que são suprimidas pelos olhos, esmagadas pelas certezas do caminho definido.
Ontem não teve poesia, ninguém me esperando na escada. Não te escrevi. Não escrevi para ninguém. Aliás, acho que abandonei esta tarefa. A chuva cai fininha lá fora. Não há barcos nem ondas quebrando na beira da praia. Há apenas o início de uma primavera. Eu sempre preferi o outono. Mas continuar remando me anima, mesmo quando os furos não podem ser tapados ou se descobre que o barco é de papel e pode se desmanchar com a tempestade. E quem sabe um dia desses a estrada pare de ser tão ambígua e possa continuar nos levando para longe da parte de nós que insiste em gritar, fazendo todas as prateleiras balançarem e os jarros, xícaras e enfeitas, se estraçalharem ao tocar o chão limpo.

Com carinho,

senhora M. Batata

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Chá de morango, por favor. Muito açúcar. Muito sono. Muitos pesadelos depois da insônia. Não passe com a térmica de café perto de mim. Muita azia. Muita cerveja em dias de semana. Muito desespero. Limpe o chão do segundo andar da casa colorida no parquinho, aquela em que a menina chorou por uma hora inteira, sem motivo, em uma noite de abril. Mas não conte que fui eu. Não conte que a lua estava linda naquela madrugada e que o vento dançava junto com as folhas secas de outono. Fale baixinho de sonhos. Me convide para passear no final das tardes, matar aula, ver os aviões pousando. Todos os sentimentos transbordando dos olhos. Pouco tempo. Poucas coerências. Poucos vidros de silêncio em cima da cômoda. Uma saia rodada, por favor. E logo os meus traços se transformam, novamente, em traços de menina travessa. Não limpe o batom vermelho dos meus lábios. Ele é a garantia do presente. Não posso mais me perder. Tudo começa e termina com uma garrafa de vinho barato e um céu negro que pode ser desenhado. Quase rimou. Mas eu não sei se você gosta de rimas.

M.B.

domingo, 18 de setembro de 2011

Pela manhã, apenas algumas latas de cerveja atrás do computador, outras ao lado do lixo com papéis brancos rabiscados, amassados, palavras descompostas pela chuva. Pela manhã, apenas a melancolia maquiada, vestígios dos pesadelos, realidade descompassada. Pela manhã, apenas a apatia, o temporal se armando, certezas passageiras e o dia que pode se fazer longo. Pela manhã, apenas a ressaca, o relógio que não desperta, as cobertas desalinhadas, o pijama jogado ao chão. Pela manhã, apenas o gosto de nostalgia, pássaros cantando alto demais, ônibus passando em frente a casa, sombras na parede branca, um vazio tão cheio que transborda. Pela manhã, a porta entreaberta, esperando esperando... não se sabe o que, quem ou por quê. Mas espera. Pela manhã, a dor de cabeça passageira, o coração palpitando por causa da cafeína e do álcool, a mente tentando imaginar a rotina da menina, rotina sempre quebrada por demagogias.
E aquele perfume quase sem cheiro das noites de inverno que se transformam na próxima estação. Ele não sente. Apenas pensa que ela estará lá, na mesma mesa, mesma noite, mesmo dia da semana, mesmo rosto apático quebrado pela vergonha, mesma entonação nas frases longas, mesmo sorriso calmo, mesmas mãos geladas com movimentos agitados. Mas ele quase nunca está lá, apenas espera os finais de semana, a rua longa, a casa, seus lábios encostados em outros, não tão quentes, não tão bonitos, não tão desejáveis. E ela não pensa. Sente apenas um desespero que não pode ser quebrado, não deixa as lágrimas rolarem porque tudo se esgotou. E vive este esgotamento, esperando, esperando... mas ela sabe o que, quem e por quê. Está do outro lado do abismo, encarando o mundo dele, o mundo que nunca vai conhecer. Não há tapete vermelho para que ela caminhe com seus sapatos silenciosos. E ninguém vai coroá-la rainha em um mundo que não é seu.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

(...) a estranheza de ver de uma distância mínima as faces, os poros da pele, os calos dos dedos e as maçãs dos rostos geralmente envergonhados de um outro mundo. Kerouac

Tudo o que quer, quando chega em casa tarde da noite, depois da rotina pesada de trabalho, duas doses de rum no bar da rua calma, é tirar o sapato de salto, a meia-calça preta, desamarrar o cabelo preso em um rabo de cavalo bem alto, tirar todas as peças de roupa, passar as costas da mão direita na boca, para que o batom vermelho saia, e deitar, nua, na cama com três cobertas. Precisa sentir na pele a textura do tecido macio, aquecer o corpo com o frio, inventar sonhos com a realidade e sorrir sem pressa, porque o dia pode estar longe de nascer.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

uma valsa
tocada
sob
o céu
de dois silêncios

uma nuvem
sem cor
sob
os dias
de dois desconhecidos

um amor
inventado
sob
o bar
de duas esquinas

uma rima
quebrada
sob
a decepção
de dois fins

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Princípios dilatados
Dores que dissolvem
Sonhos afastados


Felicidade não existe no singular.

Ela acorda pela manhã, levanta da cama com os olhos fechados, abre a janela do banheiro para ver se tem sol ou chuva, lava o rosto queimado pelo sol do meio-dia, passa Bepantol nos arranhões feitos pelo gato, penteia o cabelo cheio de nós, coloca a pantufa de macaco rasgada, veste o blusão de lã, caminha com passos arrastados até a cozinha, encara a pilha de louça suja, lava uma xícara, coloca água ferver, senta na mesa de tinta branca com partes descascadas e espera ouvir a chaleira chiar. Não pensa enquanto espera. Ninguém pensa às seis da manhã. Quando a água ferve, coloca três colheres de açúcar na xícara limpa, o sachê de chá de hortelã, o líquido, assiste a fumaça dançar no ar, mistura com uma colher de alumínio e canta com o barulho que o toque de uma na outra produz. Assopra o chá para não queimar os lábios, respira fundo para sentir o cheiro artificial de erva, bebe goles pequenos com os olhos fechados, não come a bolacha Maria que está mole, não abre a janela para ver a vizinha estendendo roupa, apenas balança os pés que não alcançam o chão, como uma menina de cinco anos no banco da escola esperando a mãe ir buscar. Às seis e dez levanta da cadeira, vai até o quarto, tira o pijama amarelo, a meia preta, encara o espelho riscado, coloca a meia-calça marrom, o vestido xadrez e calça as botas para chuva que machucam o tornozelo da perna direita. Senta na cama e pensa se arruma as cobertas. Decide que não. E enquanto decide que não, lembra que mora sozinha, que não tem mais emprego, não tem mais faculdade nem comida na geladeira nem guarda-chuva. Lembra que o telefone está cortado, que só tem R$ 30,00 até o final do mês, que o único pedaço de pão está mofado, que as únicas bolachas estão moles e que tudo o que resta são três sachês de chá de hortelã vencidos. Porque a máquina não pode mais cantar. Toma duas bolinhas brancas com gosto de açúcar e volta a dormir para procurar uma outra realidade que não faz a casa gemer de fome, de necessidade, de apatia.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

(os traços tortos dos outros sentimentos)







Novas garrafas de vinho no fundo do armário
Pilhas de cartas em cima da mesa, sem destinatário
Corpos entrelaçados nas manhãs frias de agosto
Marcas fundas de sonhos e sonos no rosto

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Café forte em demasia
três remédios por dia