quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Queria falar 'fim' sem chorar ou estragar a maquilagem.
Queria acreditar que depois do fim surgiria repentinamente o começo.
Mas o que era o começo senão o próprio caminho para outro fim?

O que era o começo senão

o desdobramento de uma fé desacreditada,

de um sonho manchado,

de outra estrada com pedras e flores e árvores seguida do abismo?

"Sob céus de um passado sem começo seguem em direção a um futuro sem fim." Kerouac

Nós. Eu e ela. Assim como a chuva e o sol e ao mesmo tempo como a noite e a solidão. Eu o começo, ela o fim. Um não existe sem o outro. O outro não existe sem um. A desgraça e a felicidade embalados pelo mesmo pranto, pelo mesmo riso, com a mesma trilha sonora.

Ela era a menina da capa amarela que não se cessa essa noite.
E eu, o que eu era? O que eu ainda vou ser?

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009


É assim que acaba, pensa o velhinho sentado na cadeira de rodas no final do corredor do hospital, eu aqui vendo os carros mais caros passando nas ruas principais da cidade e o vento balançando as árvores e o sol refletindo nas vidraças da igreja. O sino ecoa no céu seis badaladas, horário de missa, horário da janta do velhinho.

Ele não foi um grande homem, não teve seu nome escrito em negrito nos jornais, não foi político, não foi escritor, não foi músico, não teve filhos, não teve amor. Certamente amou, mas não foi amado. Não teve histórias pra contar pros seus netos e nem ao menos teve netos. Claro que no final desse conto ele morre, é uma coisa óbvia. Ah, ele não gostava de coisas óbvias, elas lhe deixavam com as costas tensas e com contrações no estômago.
Nascera de um grande erro. Aliás, muitos de nós nascemos de um grande erro. Sempre foi só, desde pequeno. Atirava pedras no rio e quando chovia corria logo pegar uma cadeira na cozinha e a colocava na frente da janela, subia na cadeira e ficava olhando a chuva e desenhando soldados no vidro embaçado. Seu grande problema, a vida toda, foi não ter sonhos. Nem de dia e nem à noite. Nem no sono e nem fora dele. Então você vai me perguntar 'como assim uma pessoa não tem sonhos?' e eu lhe respondo que não sei, ele apenas não os tinha. Os sonhos sempre fugiram dele.
Ele não teve história, se é isso que você espera que eu conte. Teve empregos comuns, uma vida comum, mulheres comuns, amores comuns, um cachorro comum, e as flores na sua janela também eram comuns.
As pessoas sempre descrevem histórias com grandes atos, paixões ou lições. Mas o que eu vou dizer do velhinho? O que eu vou dizer da tristeza do velhinho e das caixinhas vermelhas com todos seus sentimentos guardados? O que eu vou dizer dos olhos do velhinho e daquele sorriso que me deixava alegre só de ver? O que eu vou dizer das mãos magras do velhinho e da sua camisa sempre bem passada e dos seus sapatos sempre bem engraxados? Meu Deus, o que eu vou dizer? Seu dom era fazer as pessoas felizes e ele as fez. E ele tinha alguma felicidade contida no brilho de seus olhos, no brilho de tristeza havia sim uma felicidade. Todos nós temos um aspecto de felicidade em algum dia da nossa vida. E esse dia é o que faz toda a vida valer a pena. Ele morreu, olhando pela janela, no final do corredor do hospital. Deixou no mundo seu sorriso amarelo. E o que o mundo deixou pra ele?