quarta-feira, 12 de agosto de 2009

-Mãe, eu matei um cara.
-O quê?
-Eu matei um cara!
Nos seus olhos não havia medo, não havia surpresa, apenas uma incógnita que eu não entendia. Estava sendo clara e ela não entendia.
-Como assim matou um cara?
-Eu fui dormir no segunda passada e acordei com um bilhete ao lado da cama.
-O que dizia o bilhete?
- Dizia: "Obrigado pela noite que você nem teve consciência mas até o corpinho de uma mulher de cinquenta anos é melhor do que o seu."
Minha mãe fez cara de espanto.
-Então eu olhei pro meu pijama, após ler o bilhete, e notei que ele estava rasgado entre as pernas e na gola. Mas eu não estava sentindo dor nem nada, não sei o que ele fez. Mostrei o bilhete pro e ele disse que alguns casos assim tinham sido registrados na delegacia. Ele sabia quem era o cara. Ele sabia onde morava o cara. E eu comecei a chorar e a pensar no meu noivo. Que vergonha seria! E a raiva começou a crescer em mim, e chegou a tal ponto que eu não era mais uma pessoa sensata. O pegou a arma e esperou impacientemente até a noite e nós fomos, juntos, até a casa do cara. Era uma dou duas casas pra trás da do . Ele deu dois socos na porta e quando a porta se abriu lá estava o cara, tinha uns cinquenta anos e me deu ânsia de vômito. Ele olhou pra mim e imediatamente me reconheceu, deu um risinho muito malicioso e recuou três passos. Estava com um pijama de navios! Meu Deus, mãe! um pijama de criança! o cara era louco! Então eu não pude mais suportar, tinha consciência de que seria o fim pra mim mas a consciência de que seria o fim pra ele também rasgou o meu peito. No seu pijama havia bolsos e não precisava ser muito esperto para descobrir que num deles havia uma arma. Eu precisava ser mais rápida. Peguei a arma do bolso do no mesmo momento em que o cara colocara a mão no seu bolso, disparei três tiros e ao abrir os olhos vi que os tiros tinham acertado-no no peito. Mas ele continuava com aquele sorriso e não caía! Foi aí que eu disparei mais dois tiros, que o derrubaram e o fizeram sangrar até a morte. Mas ele morreu com aquele sorriso que eu jamais vou esquecer...

Minha mãe olhava-me perplexa, não sabia se me considerava louca ou se me dava razão. Fui para meu quarto, meu corpo todo tremia. Tirei o travesseiro para abraçar e encontrei outro bilhete do cara. Dizia: "Querida, desculpe-me pela brincadeira, nada aconteceu. Eu só queria ver o seu rostinho lindo preocupado."
Era isso aí. Eu tinha matado um cara e esse cara foi vítima da sua própria brincadeira assim como eu. No outro dia o assassinato saiu no jornal, uma das muitas cenas que eu visualizava que sairiam no jornal do outro dia. Saiu um relato quase que totalmente verdadeiro, mas eu não sabia que aquele cara tinha realmente problemas mentais.
Eu tinha dezessete anos na época e a justiça considerou-me com esquizofrenia e sérios problemas mentais. O que eu podia fazer? Fui internada e em poucos meses fugi de lá. Mas eu dizia pra todos que encontrava no caminho "Eu matei um cara".

Claro que isso não tem um sentido nem uma lição de moral. É só o meu sonho e eu não aguento mais esses sonhos.




segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Às vezes ela tinha medo de ficar muitas horas sozinha. O suicídio podia não demorar e ele não demorava quando ela ficava muitas horas sozinha.
A tarde inteira de chuva caminhando de casa pra padaria, da padaria pra casa e as meias encharcadas.
Seu café esfriando, esperando em cima da mesa da cozinha, ao lado do suicídio. E ela lá fora caminhando de casa pra padaria, da padaria pra casa...

O problema era pensar demais.
O problema era sentir demais.
O problema era amar demais.

sábado, 8 de agosto de 2009


Eles eram quatro. Eram modernos, usavam roupas de marca e sentavam com cigarro no boca nos bares mais badalados da cidade. Quando o sino da igreja próxima tocava doze badaladas eles instintivamente se levantavam e iam em busca de drogas. Mas tinha que ter meninas. Tinha que ter bebida. Tinha que ter cocaína. Senão não era noite, senão não era um role de verdade.
Minha mãe não sabe o que é juventude. Eu não sei o que é juventude. Eles afirmavam saber.
Comiam batata frita às 4:00 da madrugada pra vomitar às 6:00. Chegavam em casa às 9:00 ainda com o cigarro na boca. Deitavam fedidos em suas camas com lençóis recém trocados e brancos. Acordavam doze ou quatorze horas depois com o fígado se desintegrando, o sorriso malicioso no canto da boca e as meias pretas. Caminhavam até a cozinha, comiam um danoninho e se atiravam no sofá para o horário de sair.
Eles, assim como eu, afirmavam não precisar de sentido. Eles, assim como eu, um dia vão ser vítima dos próprios conceitos e das palavras pronunciadas em alto tom no bar.
Mas eles não me conhecem e eu não os conheço. Mas eles não habitam dentro de mim e eu não sou parte deles.
Apenas ploriferamos as mesmas palavras, temos os mesmos medos e os mesmos desejos -ainda que agora eles não reconheçam isso. Eu odeio todos os seus vícios mas eles gostam dos meus. Eles gostam do tudo e eu gosto do nada. Porém, em qualquer fundo, somos iguais.