quinta-feira, 29 de abril de 2010

Eu tenho três meninas: uma na terça, outra na quarta e ainda uma na quinta. E todas elas, mesmo que não saibam que são minhas, são encantadoras.
A de terça é a que menos falou comigo. Dirigiu-me a palavra duas vezes: uma pra elogiar meus desenhos e outra pra dizer que a cortina ficava batendo em sua cabeça. De todas é a mais bonita. Aquela que me causa nostalgia quando a vejo de costas. Cabelo curto, magra, all star nos pés, calça de cintura alta e aquela voz baixinha que me faz sorrir. Na última aula estava com uma blusa de malha cinza, parecida com uma minha. Mas ela tem aquele egocentrismo que eu conheço tão bem. Tem uma espécie de orgulho de nãoseioquê. Tem amor, mesmo que isso não se note nos seus olhos. Ela sabe tão bem esconder e manipular. Ela sabe do real das pessoas e também sente repugnância.
A de quarta tem quase a fisionomia da de terça. Confundi elas nos primeiros dias de aula. Mas ela é mais magra, pequena, usa óculos e sua voz é tão doce que me confunde. Senta do meu lado sempre e se julga inferior. Diz que não sabe fazer nada, que todo mundo sabe fazer alguma coisa diferente enquanto ela senta e espera algo. Mas esse algo nunca vem e ela continua sendo vazia. Vive o vazio, respira o vazio, se embriaga de vazio. É muito tímida e quando tem de falar em público olha pra frente, desvia os olhos das pessoas e fala tão rápido e baixinho que um sorriso se faz no meu rosto. Traz a imagem da Giu. Acho que porque ambas são tão... incertas mesmo que tenham aquele rosto carregado de certezas.
Quanto a de quarta, bem, a de quarta já é uma mulher. Tem seus 24 anos, mas é tão menina quanto as outras. Cabelo preso, dentes tortos e aquele colar de pérolas falsas sempre pendurado em seu pescoço. Usa mais ao invés de mas e faz uma careta quando sua redação tem que ser refeita. Quando ela tinha a minha idade, bebia e fazia de tudo. Agora é tão certa, cozinha e namora. Tem aquele tom de voz elevado, o tom que quase anuncia que não está se importando se as outras pessoas estão ouvindo. A vida é dela o mesmo. Isso fica explícito no seu jeito. Come um pão de queijo e bebe chá no intervalo das aulas. Tem um jeito todo atrapalhado que me aquece por dentro.

Talvez elas sejam o único motivo pelo qual tenho de ficar três horas na estrada, indo pra uma faculdade que não me passa segurança nenhuma do que eu vou ser. Acho que essas meninas são um pouco de mim. Acho que acabei me perdendo nelas e não quero me encontrar.


sábado, 24 de abril de 2010

Aquele dia em que eles foram acampar na praia fazia 4 graus. Foi no último final de semana de julho, naquele ano em que todas as coisas aconteceram em tão pouco tempo.
A areia branca, tão fina e leve que se perdia nas mãos pequenas dela. O mar azul e grande, deixando as ondas quebrarem com força na beira. Ele engolia o silêncio e o transformava em uma música aparentemente violenta, mas visto na profundidade era tão calma e bonita que podia fazer alguém chorar.
Eles tinham umas latas de feijão, uma fogueira, uns casacos quentes e amor. A praia estava tão vazia que o vento era o único que se fazia presente. E o céu naquele preto imenso, acompanhado das estrelas que, umas ligadas as outras, formavam palavras e logo frases e logo, também, caminhos.

"Mas eu nunca soube de constelações: limitava-me a recebê-la(...)" C.F. Abreu.

Quando se deitavam, juntos, naquelas noites, o coração tão acelerado que aquecia os corpos. Eles tinham vontade de nunca mais acordar. E amavam, amavam com tanta sede, amavam com tanto amor que bem podiam ficar embriagados disso e morrer.
Eram parte daquele cenário que nunca mudava no inverno. Eram parte daquelas estrelas que nunca podiam cair. Eram parte daquele mar que nunca podia ter fim.

A única foto daquele final de semana emoldurada, meses depois, na parede da sala. O litro de vinho com um pedido dentro jogado na areia. A lua como única testemunha.
O pedido era: eternidade.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Tem que existir alguma coisa acima desse céu abismal. Tem que ter algo mais do que esse sol que colore as nuvens. Tem que ter algo que valha a pena e nunca se evapore. Tem que ter um outro universo mais humano.

Não é possível que a vida seja somente esse ínfimo e comece toda manhã e acabe toda a noite.
Não é possível que estejamos limitados a nascer, comer, dormir e morrer.

"Não vou morrer, ouviu Deus? Não tenho coragem, ouviu? Não me mate, ouviu? Porque é uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde." Lispector

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Eu a queria. Queria como se quer uma flor e não se pode ter.
Queria pelo cabelo, pelo rosto branco, pela calça caída. E esse desejo queimava em mim, rasgava por dentro.
Por que é que ela tinha que ser tão má e tão certa de si mesma? Por que é que ela tinha que se sentar de maneira tão grosseira e encarar tudo com aqueles olhos fundos e sem maquilagem alguma?

Ela não sabia de chuva, de noite, de liberdade.
Ela sabia de moda, de tempo, de tirar proveito das pessoas.

Um dia morreu de vazio e virou uma estrela. A minha estrela.

sexta-feira, 2 de abril de 2010


"Bêbado, babaca, poeta" Kerouac

Bêbada e babaca ela era. Quanto a poeta, não sei.
Meia noite e meia no bar, seis pessoas e ela dançando como quem perdeu alguém e precisa esquecer. Bebeu tantas cervejas que parecia uma criança quando gritava "quem é que vai dançar comigo?", mas não era engraçado, era apenas... triste. Fazia o tipo dessas mulheres tímidas que usam saia até o joelho quase, uma sandália e uma blusa sem enfeites. Estava com o namorado, mas depois de uma meia hora ele, já cansado do escândalo dela, simplesmente pagou sua comanda e saiu. Ela ficou ali, dançando até o chão e bebendo mais e mais cervejas. Saíra de sua suposta timidez e esse progresso resultou na perda do namorado. Que tipo de pensamentos passou pela cabeça dela? Isso se ela tinha algum fio de pensamento.
Eu observava de longe, a melancolia daquela cena fazendo um buraco em mim. Talvez fizesse um buraco nela também. Acordaria, muito provavelmente, com uma ressaca de não conseguir levantar da cama e perceberia que perdera o namorado e a razão. A razão para ela deve ter mais peso. Pra quem é da sociedade, quando se perde razão se perde tudo.

A luz da lua entrava pela janela. Princípios foram esmagados com o sapato. E a lua ali, que ironia!
Talvez a mulher não soubesse mais quem era e precisava encontrar nas letras daquelas músicas antigas uma frase que lhe mostrasse o caminho. Mas não tinha caminho algum. Acho que quando percebeu isso parou de dançar, pegou o casaco em cima do balcão e saiu.