domingo, 26 de maio de 2013

Os olhos me olham e tentam dizer o que a boca não pode pronunciar. Nunca foi pelas palavras que eu soube dos sentimentos, embora recorra a elas para me exteriorizar. As palavras são as que menos dizem. As palavras são a tentativa da fala. E só. Uma ponte, que nem sempre está firme. Só hoje percebi como elas são inúteis. Sempre me engasguei querendo pôr para fora, em frases bem pontuadas e sem cuspir, o que se enroscava no peito. Só hoje entendi porque não foi possível, porque não é. E, de tanto que entendi, não posso falar. Porque se falasse estaria traindo o aprendizado: falar é inútil. 

 Dou pause.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Carta não enviada VIII

Pensei poder te dizer qualquer coisa como “a indiferença corrói o estômago”. Ou que bebi uma garrafa inteira de vinho. E depois deitei na cama e vi o teto dançar, enquanto um sorriso estava fixo nos lábios. Tudo o mais parece bloqueado. Quero falar uma frase que não se forma. Quero, pela primeira vez, dar nome a isso que se faz ser sentido. E que não possui qualquer sentido. Escondo nos dentes amarelados, na xícara de café que nunca fica vazia, no vazio que não se carrega nem um palmo de uma noite de sono para outra. Porque não há sono. 
Tudo o que há são monossílabos. Existem com sofreguidão. Existem porque uma tentativa falha ainda nasce com a noite. E não morre na luz do dia. É mais irreal do que parece. E, por favor, não me diz que bebo demais e que falo de menos. O silêncio também dói em mim. Está bordado nos meus olhos e não há nada que se possa fazer em relação a isso. Quero inventar uma mentira e pintar neles. Talvez se misture com o bordado. Uma mentira silenciada. E mais doce do que o vinho. 

 Pensei poder te dizer qualquer coisa nesta página branca. 

 Mas preferi deixá-la branca. 

 E não estragar com monossílabos a possibilidade de dizer. 

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Amanhã é dia de tirar o lixo, fechar as janelas, arrumar as malas, trocar os lençóis, lavar a louça e trancar a casa. Amanhã é dia de, outra vez, começar. Nunca recomeçar. Amanhã é dia de afagar o gato, ler poesia, fechar os olhos e esperar a agonia passar. Amanhã é dia de pintar os lábios, os olhos, os acontecimentos. E sorrir para dentro. Amanhã é dia de esquecer os rascunhos em cima da mesa, congelar as incertezas, limpar as marcas de pasta de dente no espelho do banheiro. Dia de não olhar para o relógio.

Amanhã é mais dia do que hoje. E menos do que ontem.

Todo dia é assim,

meu coração se inflama. E se acalma pouco antes de uma possível explosão.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Hoje as palavras saem de um conta-gotas

Eu precisaria outra vez te inventar. Precisaria outra vez pintar teus olhos no meu peito agoniado. Desenhar teus lábios indiferentes e puxar a linha mais para cima. Calados, mas sorrindo. Eu precisaria outra vez me reinventar. Há tanto tempo que faço isso que as ideias acabaram. Também não sei o que é que fui antes. Todo dia bordo as veias de um jeito diferente. E cavoco a indiferença em uma face que não é minha. Tenho medo de descobrir a quem este rosto pertence.

domingo, 5 de maio de 2013

Notes from the couch VIII

Deixa eu falar, embora eu não tenha nada para dizer. A realidade me escapa. Não pelos dedos, como antes, mas como algo que eu nem sequer pude ter nas mãos, de tão rápido que esteve nos meus dias.
Vou construir um forte, sabe? Nem sei se vou ter acesso a ele. Mas vou tentar escapulir. Tapar os olhos e fechar os ouvidos. Fingir que a realidade ainda grita dentro de mim. Que vive. Qualquer coisa como ouvir a sua respiração. Ou criar esse som. Dançar com ele, mesmo que ele sequer exista.
Tenho visto a existência. Ela ali, eu aqui. Nossos olhos se encarando no espelho. Eu tentando trocar de lugar. Usando o meu silêncio para uma proposta descabida. Tento de tudo, embora o falar tenha sido a minha principal dificuldade. E abano para uma realidade que se vai, mesmo sem chuva, mesmo quando nada alaga em Porto Alegre.
Quero viver. E tenho vivido. Ainda que as horas entrelacem o caos em uma teia de ruídos. E o pó se acumule pelas paredes, pelos livros, pelas xícaras. Vivo, sim. E sei que nada posso fazer com a realidade. A não ser espiá-la. E ver que está cada dia mais longe de mim. E que a loucura sussurra em meu ouvido, enquanto estou no ônibus. Ninguém fala, além dela. Sacudo a cabeça e minto que não é ela. Mas sei que é. Não entendo o que diz, mas conversa comigo.

Vou me despir. E dormir fora da realidade. Não sei como se chama o que existe além dela, mas estou me adaptando. Caminho no vazio. E sorrio diante do nascer de uma noite de domingo. 

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Tenho um problema muito sério com conjugação de verbos. Na verdade, aprendi na 5ª série como é que se faz. Sei. Entretanto, cada frase vive em um tempo diferente. Não posso fazer nada em relação a isso. Sinto muito.
Transbordou. Foi logo pela manhã. A água inundando a casa e o sono ocupando o lugar do desespero. Há muito sono. E sangue grosso correndo pelas veias. Ou talvez as veias é que são finas. Nem sei. Sei que os cinzeiros estão cheios e nas paredes se sobressaem as marcas dos meus pés.
Não fiz nada a não ser cobrir a casa com panos, esperando que eles enxugassem a água. Molhei as minhas meias pretas. Usei panos de louça, toalhas de banho e até papel toalha. Usaria toalha de mesa se tivesse. Não coloquei as botas de chuva. Nem lembrei delas. Só fiz olhar a água e tentar pensar o que diabos estava acontecendo. Mas estava com muito sono (como eu disse) para pensar.

Talvez a palavra certa seja apatia.

Pensei "Lissa, minha casa é que se transformou em navio". 
Não vou até o mar, mas o mar vem até mim.

Depois fiquei com sede. Tanta água deixou minha boca seca. Está seca até agora.
Acho engraçado que me olham de lado quando afirmo não acreditar em Deus. Como se fosse um crime. Como se eu não quisesse acreditar. Como se eu tivesse alguma escolha. É claro que se eu tivesse escolha optaria por acreditar. É muito mais fácil ter um Deus. É muito mais fácil ter a quem recorrer quando tudo o mais parece afundar. Ter alguém para conversar. Pedir perdão. Pedir um conselho, ainda que ele não venha em forma de palavras. É claro que eu gostaria de acreditar. Engulo as preces. E como eu queria não ter de engolir. Acreditar sem ver. Dizer “Deus, confio em Ti”. Ter a certeza de que a desgraça faz parte da humanidade. Olhar para o céu e ver mais do que as cores sendo engolidas pela escuridão. Deitar e sentir um afago invisível. Saber que alguém me vê e me ouve, mesmo quando eu me escondo e me calo. 

Deus, me faça acreditar em Ti. 

Digo isso e sinto que cuspo as palavras no vazio.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Notes from the couch VII

Deixa eu ficar bêbada de qualquer coisa. Ver o teu sorriso apagado e dizer que tento. Até danço, sabia? Só que de olhos fechados. Como se não fosse aqui que eu danço. Como se as pernas não fossem minhas. Encontrei uma nova maneira de me ver. E é só não me enxergando que isso é possível. 
Não sou mais eu e não sei se algum dia cheguei a ser. Sei de tudo, menos de mim. E isto é menos triste do que soa. Não sei o que foi que criei. Se criei. Mas já está livre de mim. Está tão livre que se transformou em eu. Que me tomou. E em que me transformei se já não sou? 
Penso se é ausência de mar. De sal. Ou se é o açúcar que eu não coloco mais no café. Talvez o próprio café. Ou essa maneira que eu encontrei de dormir: ergo as pernas na parede e sinto o sangue descendo até as minhas coxas nuas. Assim não tenho pesadelos. Mas acordo exausta no outro dia. 
Preciso tanto escrever. Mas não escrevo. Engasgo e sufoco. As duas coisas juntas. Pois só em dobro pode-se ter o prazer de ver morrer o que não nasceu. Substituí as palavras pela dança. Talvez seja isso. Troco as coisas de lugar. E transformo em caos o que foi a paz durante alguns meses. 
Acho que vou para a praia um dia desses. Sentir a areia entrar no sapato e detestar estar lá. Tirar as roupas e correr para o mar, como naquela manhã em que eu pensei que poderia. Como naquela manhã em que o medo saiu de mim com a gargalhada e eu corri para o fundo, anestesiada demais para saber qual seria a dimensão da realidade. 

Deixa eu matar. A tal da realidade. E bebê-la falecida. Deixa eu tomá-la em meus braços e arrancar seu último suspiro de derrota. Saber que dela eu não nasci e que para ela nunca voltarei.