terça-feira, 26 de abril de 2016

Nesse encontro, alguma coisa se perdeu. Alguma coisa que tento e tento e tento colocar em palavras, mas nunca consigo. E é um sofrimento diário tentar identificar a coisa que partiu quando me encontrei. Agora há o sofrimento pela falta de sofrimento. E a lucidez de ter um corpo e assumir esse pertencimento de mim mesma, sem qualquer possibilidade de fuga ou de negação. 

Sou tanto vazio. 

Sou tanto vazio que em alguns domingos me sento no meio da sala também vazia e meu coração se agita e minha boca se cala. Meu corpo fica inquieto com tanto vazio. 
Sou tanto vazio que às vezes choro só para que o vazio saia um pouquinho com as lágrimas.
Sou tanto vazio que às vezes transborda vazio. E não há nada de ruim nisso. O próprio vazio se equilibra em mim.
Tanto mar pra navegar, e eu aqui, tentando tirar água desse barquinho de papel quase afundado.

sábado, 2 de abril de 2016

Notas de SP VII

Precisamos sair e viver o mundo de fora para perceber que o mundo de dentro tem mais paz. Antigamente, a certeza de que o mundo continuaria a girar sem nós causava certo espanto e tristeza. Hoje, causa comoção. Que bom que consigamos não fazer parte dele na maior parte do tempo. Que bom que o lado de dentro é mais ameno, mais humano e mais vazio.

Olho as flores amarelas, tão amarelas que tingem meus olhos desbotados. É um tapa na cara dessa cidade cinza. E, entretanto, ela nada faz. Fica em cima da mesa sugando a água que eu coloco de vez em quando. Às vezes, olho durante tanto tempo que de repente perco a noção do que sou eu e do que é a flor. Acho que é isso que a cidade faz com a gente, quando nos forçamos a viver nela. Depois de um tempo, perdemos a noção do que éramos e do que somos, e tudo vira apenas uma massa de probabilidades, atrasos e encontros.

Precisamos viver dentro para aceitar o que tem fora. Para aceitar sem ódio ou tristeza. Uma espécie de equilíbrio. E uma oportunidade de reconciliação pelos cuspes que recebemos enquanto atravessamos esquinas e ruas movimentadas. Até pouco tempo, o desespero consumia nossos peitos. Uma necessidade de aceitação. Uma necessidade de movimento, embora completamente contraditória. Às vezes ela ainda surge em madrugadas insones ou bêbadas. Mas é tão leve que a paz que veio com a solidão dá conta de afagar.

Olho as luzes dos prédios. E há tantos em volta. E todos vivem para dentro, afinal. Alguns fingem que não - não para os outros, mas para eles próprios. Há uma questão que se inverte logo na infância. Queremos tanto a aceitação que passamos a viver primeiro para os outros, e é a partir desses restos que nos construímos. Não aprendemos desde cedo a viver pra nós mesmos. Olho as luzes dos prédios e vejo as televisões ligadas. Tantas telas para que tentemos esquecer quem podemos ser. Tantas telas para que possamos esquecer as obrigações externas que transformamos em prazeres diários ou profissões.

Precisamos viver dentro para questionar o que tem fora.