quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Não tinha mais tempo pra bares, cervejas e conversas
Mal ainda se lembrava que a lua ficava à mercê de sua ironia.
Não tinha mais tempo pra decidir que cor o céu ficava no fim da tarde
Mal ainda lembrava que tinha vida social e que às vezes chovia.
Não tinha mais tempo pra sentar na areia e ver os minutos sumirem
Mal ainda lembrava quem era e quais eram os sonhos que existiram um dia.

A ponte balança e dança com o vento.
Ela se esconde e pensa na falta de tempo.

Rimas e silêncio.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sobre o céu de outro estado

Eu gosto dela porque sei que a maldade que é exposta em sua superfície está na mesma quantidade guardada dentro de mim. E sei que suas mentiras são iguais às minhas. E sei que suas verdades têm as mesmas crises que as minhas e que, às vezes, ela fica de saco cheio de se preocupar com o restante do mundo. Ela mente pra sua namorada e ainda pensa na outra. Mas eu não. Talvez nisso nos diferenciamos.
Ela deleta os arquivos do fotolog como se com isso pudesse deletar as lembranças. Mas está tão apegada ao passado que noto isso em seus olhos, nas poucas vezes que nos vemos. Eu gostava da sua menina. Não essa de agora, a outra. Mas o meu namorado disse que ela deu em cima de mim uma vez. Eu estava tão bêbada que não lembro. É que a entonação na frase muda de estado pra estado e são mil quilômetros. Às vezes penso que não devo falar certas coisas. E não falo. Não falo nada sóbria, na verdade.
Uma noite acho que discutimos. Eu estava bêbada, tão bêbada que a pior ressaca da minha vida foi consequência dessa noite. Não lembro sobre o que foi. Não lembro de muita coisa. No final da madrugada choveu e no outro dia eu estava de ressaca e vindo pro sul e tudo isso foi ficando pra trás, mesmo que eu não quisesse. Um dia ela disse que eu parecia uma boneca. Ela foi a segunda pessoa a me dizer isso em menos de um ano. Não sei se isso prova que ela não me conhece. Ou que eu não me conheço. Enfim.
É que a sua falta de responsabilidade não me atinge como outras pessoas me atingiriam sendo assim. E gosto quando ela vai junto pro bar. E gosto como ela senta como se não pertencesse ao mundo. Às vezes penso que posso ler os seus pensamentos, mas acho que não posso. Suas palavras acabam sendo sempre contrárias do que eu penso que ela falaria. E no fundo, no fundo, estou aqui porque um dia ela disse "tenho um amigo que combina com você". Nos falávamos mais, uma vez. Agora eu acho que falta interpretação da minha parte. Nunca entendo muita coisa.

Nunca entendo muita coisa.

E eu tinha tantas meninas antes que parei de escrever sobre elas. E todas elas não sabiam da minha existência, por isso eram minhas. Esta não pode ser minha. Ela é da menina de cabelo vermelho que eu não gosto.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

"Se uma corda de violino pode doer, então eu era essa corda." Nabokov -Lolita
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Claro que entre um abismo e outro havia uma ponte. Tão velha e capenga que ela não se atrevia a atravessá-la. Tantas vezes pensou que o outro lado seria seguro, que as coisas voltariam a ser como eram e que a trilha sonora se transformaria fazendo com que seus ouvidos não doessem mais. Cansara de palavras. E isso a atingiu com uma grande pontada no peito. Não entendia que tipo de amor podia resultar em ódio. Não entendia a facilidade das pessoas em usar as palavras como vingança, tentando atingir o que nem podia ser atingido.
Talvez do outro lado da ponte houvesse a combinação certa de cores ou existisse paredes que não descascassem. Talvez ouvesse mais vazio do que no lado em que permanecia. Sentava no chão de terra batida, as unhas já bem sujas, a camiseta branca rasgada, os olhos pequenos e, abaixo, as olheiras que nunca a abandonara. Sequer havia café. Havia sim uma saudade que se misturava com nostalgia quando o vento vinha para dissipar o calor. Mas a saudade podia ser uma espécie de bolha que ainda a salvava de alguma coisa. Alguma coisa.
É que não sabia o que estava absolutamente errado. Sabia das pequenas decepções que surgiam em um dia e sumiam no outro. Sabia o que a esperaria lá embaixo caso quisesse pular. Mas nada disso era suficiente para fazê-la desmoronar. E o desmoronamento a atingia, uma vez por mês, sem motivo. Era por isso que continuava esperando, sentada, na beira do abismo, e não ousava pular ou atravessar a ponte: a loucura, as lágrimas e o desespero ainda não tinham a atingido neste mês. A inércia podia diminuí-lo.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010


Quando saía pelas ruas de manhã, o seu cabelo bagunçado, a chuva miúda caindo, os olhos praticamente fechados como marca de quem recém acordou. Quem a visse diria que era apenas mais uma. E ela era. Mas quem poderia imaginar que naquele mente não se passavam certezas?
Pra que rua dobraria quando chegasse na esquina?
Que palavras devia dizer ao chegar no trabalho?
Beberia café ou chá?
Desejaria o sol no começo da tarde ou pediria inconscientemente que a chuva continuasse a cair?
Dormiria na próxima madrugada ou leria durante horas sem parar?
Mas não importava o que escolhesse, a mesma falta de sentido continuaria a se sentar do lado dela, as pernas cruzadas, o rosto rígido e moreno. A falta de sentido era mais humana e má do que qualquer outra pessoa.

"(...) quantas vezes as hesitações como mudanças de luz, e não se precisava forçar a união de um trecho a outro, bastava dormir que se acordava no dia seguinte, uma vez mais tarde, uma vez mais cedo." Lispector

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Ela liga o rádio e a música não começa a tocar, abre a boca pra falar e as palavras não saem, tenta escrever mas a mão permanece imóvel. O frio entra pela janela aberta da sala e tudo o que ela consegue desejar é sair pela rua, no meio da noite, correndo pra lugar nenhum. Mas não pode simplesmente ir. A melancolia a acorrenta no quarto, a falta de vontade no corpo, o cansaço mental já durando três semanas. E não há nuvens suficientes no céu pra desenhar qualquer coisa.

-Não sei lidar com realidade. Talvez porque ela é o meu sonho.
-Aí você reclama? Você reclama do seu próprio sonho?
-É que eu tenho que reclamar de alguma coisa, do contrário o barco não segue.
-Querida, o barco já furou há muito tempo.

Precisava do frio e de estrelas caindo. Precisava ver a lua durante o dia e precisava de um peixe pra conversar quando chegasse da faculdade. Precisava do silêncio absoluto e de paredes que não descascassem e de fotos que não reproduzissem rostos e sorrisos. Precisava ir em direção ao mar, fechar os olhos e gritar bem alto pra dentro de si que tanto fazia ela pro mundo, ele ia continuar girando no mesmo ritmo.