quarta-feira, 16 de junho de 2010

Ela pensava o tempo todo em suicídio. O vazio de sua vida tinha tomado tamanha dimensão que até seus olhos eram um poço vazio de nada. O ar era vazio, as ruas eram vazias, os sentimentos igualmente vazios. Não chorava.
Nos finais de semana era sempre a mesma rotina: bebia até que seu corpo ficasse mole o bastante e contava seus segredos para as pessoas só para no outro dia se arrepender. Precisava se arrepender de alguma coisa para as ideias de suicídio não passarem da mente. Colecionava problemas dos outros, também. Era como uma caixinha onde as pessoas depositavam tudo o que as atormentavam. Aí as pessoas ficavam livres e ela cheia, cheia de vazio. Não tinha como parar. Fumava tantos cigarros que seus dedos ficavam doloridos. Bebia tantas cervejas que quando o sol estava nascendo tinha que se curvar na cadeira e vomitar. Os saltos dos seus sapatos caros sempre se entortavam. Os seus olhos borrados e quase fechados não deixavam passar frase alguma. Tudo o que queria era se livrar do vazio que a perseguia, mas quanto mais tentava se livrar dele, mais ele se tornava algo fixo dentro dela.
Desmaiava quando o sol já estava alto no céu e o relógio marcava 10 horas. Desmaiava de fraqueza, de cansaço, de uma espera que nunca ia se acabar. Desmaiava de esgotamento físico e mental. Desmaiava de uma dor causada pelo vazio.

Era isso. Ela e o vazio, como dois sapatos embarrados e velhos na chuva.

Como isso pode ser egoísmo?

sábado, 12 de junho de 2010

A pior de todas "ela"s

Ela sempre chegava quando as pálpebras já estavam doloridas, os olhos cansados e as olheiras assumindo um tom de roxo. Geralmente era depois das duas da madrugada, o vento sacudindo as árvores lá fora. Oh, quando chovia sua entrada era triunfal! O tic-tac do relógio inexistente me deixava no ápice da irritação, mas logo depois eu cansava até mesmo de ficar irritada.
Ela vinha, seus passos leves e firmes, seu silêncio avassalador construindo um abismo em meu próprio quarto. O fato todo estava em não aceitar a sua presença, em fingir que ela nem ao menos existia. E, para ignorá-la, eu tentava inutilmente ler livros. Muitas vezes acendia e apagava tão compulsivamente a luz do abajur que por vezes queimava. E, no escuro, eu continuava a inventar meios de fugir da sua presença: contava vacas (não gosto muito de carneiros), desenhava na agenda com a iluminação do celular, inventava histórias, cantava mentalmente músicas, imaginava fatos que nunca aconteceriam e roía as unhas que havia demorado meses pra deixar crescer. Tudo isso, claro, com as tentativas frustradas de dormir.
Cinco da madrugada, a cama ainda gelada, todo o meu corpo dolorido, continuava a tentar me enganar. Ela rindo, do outro lado do quarto, com seus dentes brancos.
Às seis eu podia ver pela claridade que entrava nas frestas da janela que o sol estava nascendo. O canto dos pássaros e os ônibus passando na rua: outra manhã que começava. Imaginava-me, então, em uma fazenda, o sol nascendo por detrás daquele lago, o galo, a imensidão de uma felicidade. Era despertada da minha imaginação pelas dores físicas e mentais. Cansada, no topo da tristeza, aceitava a sua presença.
-Bom dia, Insônia.
Eu levantava da cama, trocava de roupa, tomava um café preto bem forte e ia para o trabalho enquanto a Insônia ocupava minha cama.

Ela sempre voltava.

Uma noite descobri como matá-la ou mandá-la embora: chorar. Nem sempre funcionava, claro. Nem sempre as lágrimas surgiam devido ao extremo cansaço. Mas eu tentava. 1x1.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Todas as pessoas tão frias em seus casulos. Todas as pessoas inteligentes tão frias em seus casulos. Ignoram a felicidade da ignorância. Ignoram a ignorância. Ignoram a felicidade.
Por que se jogar em um mundo pequeno o suficiente pra uma quantidade de sentimentos ininteligíveis?
Pra que se atirar de uma ponte alta demais que nunca irá se romper? O voo tem sempre o mesmo gosto de perigo.
Por que acreditar que essa tristeza vai passar e que enfim virá uma compreensão?
Pra que se preocupar com a complexidade quando toda a essência está na simplicidade?


Esperou tanto tempo naquele banco que o azul do céu da hora do meio dia se transformou na escuridão da meia noite. Esperou tanto tempo naquele banco que suas lágrimas secaram no seu rosto gelado e suas mãos ficaram vermelhas e duras. Esperou tanto tempo naquele banco que tudo o que podia ver na sua frente depois da meia noite era o fim que podia dar em tudo. Esperou tanto tempo naquele banco que seu coração foi congelando e seu corpo todo foi se dobrando na forma da solidão. Solidão era, afinal, a prova de que a loucura sempre está presente. Esperou e apenas esperou. Esse era o seu estado: o de espera. Seus olhos foram perdendo o brilho. Esperar era desilusão. Queria virar pó e precisava disso.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Eu sei que não é tão importante pra mim como é pra ela quando ela foge do meu abraço. Eu sei o peso das suas palavras quando ela sorri e me pede desculpas. Mesmo que tenha apenas dois anos e meio, sente a rejeição e sabe que todo o amor que lhe dão não pode substituir essa ferida. O que vem antes deixa um buraco maior. Não se pode substituir o azul turquesa do céu pelo cinza das tempestades, mesmo que o cinza dê paz. Não se pode repreendê-la na esperança de que ela entenda. Mas ela entende muito mais coisas do que está imposto nesse limite entre o físico e o sentimental.
Ela ama, chora quando não precisa e ri quando o certo seria gritar. Ela grita de felicidade e se atira no chão com tanta ânsia, talvez pensando que o chão seja o mar. Fala, fala com os seus amigos imaginários dignos de tanto amor quanto os seus pais.

E agora classifica a importância dos fatos e me diz: o que pode ser mais bonito do que um sorriso inocente?

Deixa a chuva cair pra ela fechar os olhos e sentir que o seu mundo é maior. E mais puro.

domingo, 6 de junho de 2010

"(...) balas para algum garotinho triste esperando o domingo acabar." Kerouac

Não há nada além de palavras vazias, garrafas de cerveja quebradas, roupas no canto do quarto com cheiro de cigarro e certezas falsas. Os olhos borrados são aqueles mesmos que sempre perseguiram o espelho no começo de cada domingo ensolarado.
Não há nada além dessa tristeza de domingo, desse sorriso mofado, desses dentes amarelos, dessas folhas amassadas e desses sonhos onde todo mundo tem que correr e onde a lucidez é mais perigosa do que a loucura. O fim da noite é sempre o começo de um dia irônico. Por mais que tenha o canto dos pássaros, o silêncio é uma faca afiada que destrói tudo o que encontra pela frente.
Não há nada além de unhas roídas, uma chuva inexistente e pés machucados.
Todo o domingo, o mesmo gosto de morte.

Não há nada além.




Você pode ver os motivos?

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Volta e meia umas palavras perdidas batiam à porta, pedindo abrigo. Geralmente era quando a chuva deixava as ruas alagadas. Eu as deixava entrar. O que podia fazer? Elas entravam encharcadas, sujavam o tapete da sala, largavam a capa de chuva em cima do sofá e tomavam a minha cama.
Noites frias e amargas. Eu com as minhas cobertas, no chão; elas na cama, rindo, talvez de mim. A chuva caindo lá fora.
A insônia
A falta de razão.
A falta de estrelas.
A falta de vontade.
A sobra de pensamentos vagos.
O ócio.
A perde do equilíbrio.
A insanidade.
Era difícil dormir naquelas noites. Era difícil manter um equilíbrio emocional. Pela manhã os meus olhos fundos, as olheiras, as dores físicas por causa do desconforto. Elas continuavam a rir. Consumiam o meu café da manhã, usavam as minhas meias quentes e grossas, ligavam a TV e trocavam de canal compulsivamente. Eu pensava que era um teste: se eu passasse por aquela tortura algo iria esvaziar as gavetas da minha mente e fazer uma limpeza. Quando iam embora levavam o meu café, deixavam a cama desarrumada e minha mente continuava suja.

Nomes? Ah sim, ironia, nostalgia e hipocrisia. Elas nunca morrem.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Chorava baixinho porque já não suportava o som do seu próprio murmúrio. Chorava porque doía uma dor sem razão, sem começo, sem um fim. O rosto ficou melado, os lábios secos, as bochechas brancas e geladas. Suas pernas tremiam enquanto a estrada passava pelos seus olhos. Olhava pra cima e procurava a lua, a lua que andava lhe torturando resolvendo se esconder, resolvendo tirar as estrelas do céu. Sua trança foi se desmanchando em uma hora e meia e seus olhos já sem maquilagem refletiam uma insignificância, uma incerteza, uma tristeza que não podia ser descrita. Ia escrevendo no seu bloco sujo e quase despedaçado apenas palavras vagas. Escrevia porque já não sabia o que fazia de si, o que fazia com aqueles sentimentos e com aquele redemoinho de ideias que nunca podiam ser especificadas. E as palavras saíam tortas no papel. E suas mãos geladas de frio pareciam poder quebrar a qualquer momento.
Quando chegou em casa, a luz apagada, o silêncio da rua longa e estreita, aquela escuridão que parecia engoli-la. Ainda uma última lágrima caiu enquanto jogava a cabeça pra trás. E quando engoliu a lágrima abriu os olhos e viu aquelas estrelas todas perdidas e a lua bem no alto, ficando pequena. Quis sorris, quis gritar, quis correr, mas tudo o que seu corpo fez foi andar pra dentro de casa, afastar as cobertas frias e deitar, pensando em talvez morrer no próprio sono.

"a história da melancolia
inclui a todos nós

eu, eu escrevo em folhas sujas
enquanto encaro fixamente as paredes azuis
e o nada." Charles Bukowski