quinta-feira, 28 de março de 2013

O que os jornais não podem falar

Para J., que fumava maconha antes da aula, tinha o cabelo curto, preto, e sempre usava calças  folgadas na bunda.

Para T. e H., que caçavam.



As pessoas se suicidam porque esperam tanto, que a agonia precisa ser anestesiada - e há horas em que a bebida e as drogas não são suficientes. Elas esperam o sono chegar, à noite. E esperam a água ferver, de manhã. Esperam no ponto de ônibus. Esperam no trabalho. Esperam o final do dia chegar. Esperam nas filas, nos bancos, nos supermercados. Esperam a sinaleira abrir. Esperam o Jornal Nacional. Esperam pela novela das 20h e esperam também por uma pessoa que nunca chega, por um amor utópico, por uma história de filme.
As pessoas esperam uma coisa que se chama felicidade. Quando o interfone toca, esperam que essa tal diga "cheguei". Esperam um telefone tocar. E ele nunca toca. Esperam pelo momento em que vão ficar livres das dores e viver nesse mundo que todos falam.

As pessoas se suicidam porque estão lúcidas demais para suportarem a ideia de que nada vai mudar, de que vivem uma vida de mentira. De que trabalham oito horas por dia em um trabalho tedioso, esperando um final de semana que nunca é tão bom como o esperado, um trabalho que paga a sobrevivência: aluguel, comida, roupas, água, luz e gasolina.
As pessoas se suicidam porque são esmagadas por outras no trem, porque não suportam ver gente pedindo dinheiro nas esquinas, porque ouvem "sempre tem alguém pior". Porque realmente sempre tem alguém pior. Porque tem trânsito. Porque elas têm medo. De assalto. De solidão. De estupro. De um casamento fracassado. De um aborto. De uma traição. Se suicidam porque traem. Porque chove. Porque é verão. Porque o maquinista não avisa qual estação é. Porque não sobra dinheiro no final do mês. Porque perdem o ônibus. Porque ninguém agradece. Porque esquecem de dizer "obrigado".

As pessoas se suicidam porque a televisão insiste em dizer que todos estão acima do peso. E porque música clássica é muito triste. E porque mais um político filho da puta foi eleito. Porque esperam que um dia possam ter dinheiro para comprar uma comida cara. E porque o camarão não tira o gosto amargo da boca. Porque logo é amanhã. Porque o leite vira dentro do micro-ondas. Porque os cupins tomam a casa. 
As pessoas se suicidam porque bebem café em excesso e não sabem o que fazer com tamanha agitação e irritação. Porque esquecem roupa na cerca, e no meio da tarde chove. Porque descobrem que estão com câncer. Porque descobrem que estão com depressão, toc, bipolaridade, esquizofrenia. Porque esquecem a toalha em cima da cama. Porque precisam ir ao médico. 

As pessoas se suicidam porque são pessoas. E não máquinas. Se suicidam para comprovar que ainda não foram programadas. Um protesto. Um mergulho na realidade seca. Um diagnóstico de vida. 
As pessoas se suicidam porque sim. E porque não. E por que não? Porque existem todos esses motivos citados anteriormente. E porque não existe nenhum. Porque estão em paz e viveram o suficiente. Porque não aguentam o peso da existência. Porque têm família e precisam colocar pão na mesa, todos os dias. Porque têm solidão. Porque têm curiosidade em descobrir o que existe na morte. Porque todas as dúvidas foram respondidas. 

As pessoas se suicidam.