terça-feira, 29 de maio de 2012

Omar escolheu Maria
E Maria escolheu o mar
Omar vai à Maria
E Maria vaia Omar

O mar enfeitiçou Maria
E Maria enfeitiçou Omar
Omar chorou por Maria
E Maria sorriu para o mar

Omar fugiu de Maria
E Maria correu para o mar
O mar engoliu Maria
E Maria matou Omar

sábado, 26 de maio de 2012

O mar ia com Maria

Parece que foi ontem que ela me disse que ia fugir. Contou baixinho, pelo telefone, pouco antes de eu escovar os dentes e deitar. As malas estavam prontas, esperando no corredor da casa azul. O armário ficara vazio, exceto por alguns casacos grossos e duas calças xadrez de lã. Contou-me que calçara as galochas, pois diziam na televisão que choveria incessantemente pelos próximos 15 dias. Estava com o vestido vermelho que ele tanto gostava e com a bolsa de bolinhas. Deixara os quadros pendurados na parede e, antes de desligar o telefone sem ao menos deixar que eu desejasse boa viagem, pediu-me que cuidasse deles, que tirasse o pó, que não deixasse o primeiro ficar velho, o segundo com o vidro trincado e o terceiro sem moldura. Gostava tanto deles, ela disse seguido de um suspiro. Prometi passar lá uma vez por semana, o que logo se transformou em uma vez por mês e depois quase uma vez por ano.
Estando naquele quarto, ainda com os sentimentos, o lustre parecendo a lua, as cortinas amarradas no canto direito para que o silêncio fosse assassinado pelos barulhos de fora... estando lá eu entendia porque tanto ela desejava partir, porque realmente partira deixando para trás a sua coleção de palavras, contos inacabados e paredes brancas manchadas de poesia.
No final do terceiro ano, sem receber notícias suas e com o peito anestesiado pela falta de coerência, juntei meus poucos pertences espalhados pelo apartamento pequeno. Deixei um quadro um tanto desbotado na parede, não liguei para ninguém, calcei as botas de chuva, porque disseram na televisão que choveria incessantemente pelos próximos 15 dias. A porta ficou aberta, para que alguém pudesse se perder, o telefone fora do gancho, afinal eu realmente estaria ocupada, e pela última vez apertei o botão do elevador do prédio de 11 andares. O porteiro me deu boa noite e a noite me ignorou.
E ignorando todos os pressupostos de uma vida platônica, que se apresentavam em rimas, plantei o abismo nos olhos e reguei o rosto. A longo prazo, e eu sabia disso desde o início, a falta de água impediria que o abismo crescesse. E talvez sem que eu o houvesse programado, ele estabeleceu-se assim, em tamanho adequado, suscetível às flexibilidades da irritação, da paz e do vazio estocado.

"Muitas vezes os nevoeiros não deixam ao navio em marcha outro recurso que não seja por-se à capa ou ancorar. Há tantos naufrágios causados pelo nevoeiro como pelo vento." Victor Hugo

(...)

e pensar que no tempo em que pensamos ser felizes também pensávamos no tempo em que éramos felizes.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Ela pensou que talvez fosse a ausência de música clássica, todos os ruídos da rua se infiltrando na mente esgotada, quase lúcida em excesso, quase sucumbindo. Quis tanto quebrar com a realidade que os olhos passaram a projetar, do outro lado da rua, a imagem embaçada da incoerência, a luta dos próprios sentimentos por um espaço, mesmo que mínimo, de paz. Quis tanto quebrar com a noite que cantou a música do avião e olhou para o céu na esperança de não ver vazio. E lá estava o avião, passando por um vácuo sem pontos reluzentes, sem uma pérola gigante, com tantas histórias que quase caía de lá na avenida caótica.
Um passo em falso seria tão verdadeiro como a dor subjetiva, mas os pés jamais fariam isso. Obedeciam a obediência, a calmaria, ao conceito aplicado nos últimos meses, com dificuldade. Porque estava cansada de se cansar, e não era tempo de largar os remos. Porque as páginas em branco não eram mais possibilidades, e era tempo de não projetar os dias. Porque até a falta de motivo estava esgotada por existir. E existia há tanto tempo que se transformou em um monstro que ocupa todo o corpo, toda a mente, fazendo com que morra o que ainda não nasceu. E está ali, no limite da persistência dos erros.
Como se houvesse algo para ser salvo, ainda. Desista de uma vez, ela diz. O mínimo que vai ficar disso tudo é uma cicatriz. O mínimo, compreende? Quais são as chances de o mínimo acontecer? Os vazios se misturam em raios apagados e ela esquece as esquinas partidas que nunca quis lembrar. E ela escreve com a caneta azul que borra um conto que não pode ser publicado, que nem ao menos deveria estar escrito, que não deveria existir. Mas existe. E faz questão de salientar a sua vida adocicada com sinaleiras fechadas.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Engoli sete balões, caminhei duas quadras, não vi a lua e sonhei acordada com uma insônia.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Estraga o gasto afogado no peito
Gasta o estrago afagado no peito

terça-feira, 8 de maio de 2012

Viu o tapete de folhas na escada do trabalho. No dia anterior elas não estavam lá. Caíram assim, durante a noite, enquanto a lua ameaçava novamente se jogar do céu e todos ficaram frisando o quanto ela estava grande. Coitada. Grande e desfalecendo. E a menina caminhou em cima das folhas como se estivesse esperando aquilo por meses. E realmente estivera esperando. Ficou cinco minutos na escada, subindo cada um dos sete degraus com uma delicadeza inventada, deixando que o vermelho, que o amarelo e que o ruído das folhas esmagadas aquecessem seu peito, suas mãos, sua manhã de outono quase com vinte graus.

Lembrou do banco no fundo do seu lugar preferido, dos aviões pousando, dos vinhos doces que haviam manchado a bolsa, das formigas que estavam preocupadas em guardar alimento para o inverno, das dores que estavam calmas, da calma que estava no peito, do peito que estava dormente, do sono que estava enchendo os olhos, mas não deixava escapar um fio líquido de saudade. Lembrou do quanto a vontade de deitar na grama, todos os dias das últimas duas semanas, havia trazido a insônia e os pesadelos. Todos eles em cobertas desarrumadas, em meias que escapam dos pés no meio da noite, em riscos brancos que dançam no teto escuro. Lembrou do quanto a vontade de deitar na grama, todos os dias das últimas duas semanas, deixava os olhos quase fechados, quase iluminados, os lábios sorrindo tortos para depois serem molhados pelo líquido salgado, tão pouco, que cai como se caísse de um conta-gotas.

E lá estava o outono, do lado de fora do trabalho, na escada, na calçada, na voz de Chico Buarque, nas notas abafadas das músicas instrumentais. E lá estava a lucidez, do lado de fora da mente, cantando em voz baixa toda a felicidade acumulada e distribuindo-a como se fosse bala de cereja. E lá estava o outono, as doses curtas de inconstância, a vontade de fugir para o mar no final de semana, as palavras paradas, os discuros guardados, a melacolia, tudo do lado de dentro.


"Acordava-se de súbito. Era tarde. A maré crescera a pouco e pouco. A água cingia o rochedo. Estava-se perdido." Victor Hugo

Meu coração continua fraquejando, Dolores Haze. Praquejando. Quase como se todas as manhãs caminhasse lentamente, e com o corpo dolorido, até a beira do mar e sentisse o repuxo. Mas meu coração continua, pequena Lolita, borrado de batom vermelho, com cheiro de sono, com excesso de insônia, com pesadelos reais de todas as personalidades que lutam pela sobrevivência. E lá está ele, andando sobre a corda bamba, não se importado com o precipício, tão senhor de si e de mim que ouço o eco do seu silêncio abafar todas as possíveis palavras que poderiam ser criadas. E ficam ali, as letras, quase saindo pela boca, pelos olhos, pelos dedos com as unhas roídas, pela respiração ora ofegante ora calma.
Meu coração continua e fraqueja. Ou fraqueja por continuar. E pontua as frases assim, cortando os significados pela metade, alterando sujeito, verbo e predicado, colecionando onomatopéias, metáforas e eufemismos. Meu coração desiste e persiste na desistência. Levanta, veste um suéter, serve-se de tantas xícaras de café que perde a conta e se esconde na escuridão porque lá tem uma lua imaginária que aqui não tem, que ali não pode ter. Mas meu coração continua e nasce e renasce todas as manhãs, desta forma, exatamente, e morre e remorre quando o relógio dourado do quarto marca 4h15min. Anestesia. Anomalia.

sábado, 5 de maio de 2012

Afaga a mágoa afogada no peito
Afaga o peito afogado na mágoa

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Carta não enviada

Eu pensei que olhar para fora pudesse fazer parar... eu caindo para dentro de mim, sabe? Como se eu fosse me distrair. Como se. Acontece que a solidão me sufoca, me enforca, me faz lembrar que eu existo e que preciso me encarar e me ver e me aceitar ou lutar contra isso.
Todos esses infernos pesam demais, é assim que eu deveria começar a carta que eu não vou te escrever. E pesam tanto que nem levanto da cadeira para pegar mais uma xícara de café, na metade da tarde.
Pensei em fugir, mudar de cidade, depois pensei que não seria suficiente e que precisaria mudar de país. Mas pensei assim: durante uma hora. E sei que já não adiantaria, que a dor interna não some com a mudança de paisagem, que o buraco continua ali, que a letra torta continua aqui, que eu penso mil vezes antes de enviar qualquer coisa. E nunca envio. Porque ainda tenho esperanças, sabe? Essa coisa que eu digo não ter, não precisar. É porque machuca, você sabe. Então penso que o silêncio pode matar. Não eu, entende?, mas o que me mata. E na verdade o silêncio só faz arder o meu eu. Ou o que sobrou dele.
Ainda tenho uns sonhos, ou pesadelos, em que me perco indo para a sua casa, pego o ônibus errado, não chego nunca. E talvez não haja parada final. Ou certa. Me perco no caminho. E fecho os olhos e, quando abro, olho para a lua e afogo a imagem. E me afogo sem saber que não morro, que os infernos continuam queimando e que a carta não é escrita.