sexta-feira, 4 de maio de 2012

Carta não enviada

Eu pensei que olhar para fora pudesse fazer parar... eu caindo para dentro de mim, sabe? Como se eu fosse me distrair. Como se. Acontece que a solidão me sufoca, me enforca, me faz lembrar que eu existo e que preciso me encarar e me ver e me aceitar ou lutar contra isso.
Todos esses infernos pesam demais, é assim que eu deveria começar a carta que eu não vou te escrever. E pesam tanto que nem levanto da cadeira para pegar mais uma xícara de café, na metade da tarde.
Pensei em fugir, mudar de cidade, depois pensei que não seria suficiente e que precisaria mudar de país. Mas pensei assim: durante uma hora. E sei que já não adiantaria, que a dor interna não some com a mudança de paisagem, que o buraco continua ali, que a letra torta continua aqui, que eu penso mil vezes antes de enviar qualquer coisa. E nunca envio. Porque ainda tenho esperanças, sabe? Essa coisa que eu digo não ter, não precisar. É porque machuca, você sabe. Então penso que o silêncio pode matar. Não eu, entende?, mas o que me mata. E na verdade o silêncio só faz arder o meu eu. Ou o que sobrou dele.
Ainda tenho uns sonhos, ou pesadelos, em que me perco indo para a sua casa, pego o ônibus errado, não chego nunca. E talvez não haja parada final. Ou certa. Me perco no caminho. E fecho os olhos e, quando abro, olho para a lua e afogo a imagem. E me afogo sem saber que não morro, que os infernos continuam queimando e que a carta não é escrita.