quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Marcelo

Sonhei com você. Uma vontade louca de sumir, hoje pela manhã. Não ter de ver ninguém. Não ter de pensar. No fundo é isso: não quero mais pensar. Tudo bem sentir essa agonia terrível. Mas não quero ter a consciência de. Metrô, ônibus, a confusão dos dias. Isso é o quê? Uma enxurrada de palavras fica entrando em mim a cada passo que dou. Entra mais do que consigo processar, e quase explodo em lágrimas quando atravesso a rua e chego no trabalho. Entro no banheiro e respiro bem fundo e deixo tudo escorrer pra fora de mim. Não há por que sonhar com você. E lembrar desse passado inventado. E inventar esse futuro borrado. Malditos livros que ando lendo. Por quê? Por quê? Fiquei me perguntando quando lavei o rosto no banheiro. A água salgada que saiu dos olhos se misturou com a água da pia. E continuei chorando nesse ínterim. Nenhum medo de que alguém entrasse no banheiro e pensasse "ué, homem chorando". 

Sonhei com você. E comigo. E com tudo que não vivemos. Chorei por tudo o que não vivemos e que nunca vamos viver. Apesar disso, tá cravado lá no fundo o que ficou. Bem fundo. Tão fundo que não existe a menor possibilidade de sumir. Mesmo assim, saber que tudo o que ficou é puramente inventado não faz doer um pouco mesmo. Parece pior. É como se alguém jogasse sal na ferida aberta. Grito pra dentro. Mas choro pra fora. E esmurro o espelho do banheiro com a agonia de quem quer matar a dor, mas, não encontrando saída, provoca outra dor pra amenizar a antiga.

Mas eu não consigo te amenizar em mim.


terça-feira, 27 de outubro de 2015

Notas de SP II

A poesia se perde entre o café preto e a chegada no trabalho. Talvez seja o rio com cheiro de podre. Ou as pessoas do trem. Ou o sol forte que nunca dá lugar à chuva.

E depois, à noite, a cerveja afoga os resquícios que ainda existiam.


Assim vamos. Eu. Você. Essa (falta de) rima. Esse dia. Essa paz que mora numa bolha decorada com gesso. Assim vamos. Nós. Essa quase música que fazemos com o som dos trens vazios que estacionam na frente de casa. No meio do caos externo, nunca fomos tão calmos.


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Segunda-feira

Hoje é dia de escrever, quase ouço você me dizer. A cidade grande me engoliu tanto que também some de mim uma das poucas coisas que sempre me manteve. Ou talvez a estabilidade da paz tenha feito a escrita naufragar. É que antes me parecia possível escrever somente a partir do caos e da tristeza. Como se, bêbada de amargor e de dor, tudo saísse de mim sem o menor esforço.

E realmente o era.

O fato é que não posso adotar como hobby algo que só posso fazer quando estou triste. Porque não estou triste. E porque talvez aquilo de antes nunca mais volte. Tudo é novo, apesar de velho, mas não posso deixar morrer isso que alimenta a parte de mim que posso chamar de "eu". A rotina corrida tem tentado fazer isso. E digo não, não. Bato o pé e balanço a cabeça. Tantas vezes a desistência me pareceu real - e, no entanto, sumiu em seguida.

Hoje é dia de escrever. Preparei a escrivaninha. Deixei à vista o diário vermelho. Coloquei papel branco na máquina de escrever. Abri o computador. Nada pode me tirar de mim mesma. Enquanto eu for capaz de colocar qualquer coisa no papel, estarei a salvo. Enquanto sobrar tempo para ser, serei. Ainda que pela metade. Ainda que em poemas forçados. Ainda que em contos inacabados. Ainda que em rascunhos que eu vou colocar fora.

Preciso lembrar de mim, depois. Não escrever é como me matar as poucos, matar as memórias e, pior, os sentimentos. Disse errado ali em cima. Nunca foi um hobby. Sempre uma necessidade. Antes, uma necessidade de desabafar, de moldar no caos um texto coeso. Agora, uma necessidade de me manter real. É como beliscar o braço para saber que se está vivo.

Eu vivo. Belisco, pois, a minha própria pele. E o papel. 

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Está tudo vazio nesse espaço cheio.
Ou está tudo cheio nesse espaço vazio?

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Santo Oz

Vejo a previsão do tempo 
Toda manhã 
Antes de me vestir 

E fico pensando nela
Durante todo o caminho
Até o trabalho

Isso me distrai
Dos olhos cansados 
Que estão no trem
E me faz não pensar tanto
Nos homens loucos e tristes
Que pedem dinheiro
E deixa o cheiro do rio Pinheiros
Um pouco menos podre

Quando não consigo me distrair
Quando não há escapatória
Encaro os olhos cansados
E os homens loucos
E o rio com cheiro de podre
E penso que podia ser pior
Não sei como poderia ser pior
Mas poderia

E talvez seja isso 
Que ainda mantenha todos vivos
Ou sobrevividos
Ou quase partidos

E talvez seja isso
E só isso

Mas eu espero que não seja