quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Estou sempre costurando minhas asas porque alguém está constantemente rangado-as. Descobriram que sou de papel - e não de açúcar. 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Hoje me dei ao luxo de constatar: eu não mereço o que estou fazendo comigo.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Há uma semana dói a garganta. Acho que porque mastiguei as certezas e não consegui engolir. Elas ficaram entaladas.

sábado, 23 de novembro de 2013

Não me deixa

Deixa eu ser qualquer coisa, enrolar novamente o lençol branco no meu corpo igualmente claro, dançar pelo quarto, deixa eu ser qualquer coisa que sou de olhos fechados e que de olhos abertos quebra toda a magia deixa eu não ser poesia porque ser poesia dói deixa eu escrever sem pontos e falar da mesma forma porque é assim que eu penso deixa eu não pensar e depois de dançar me atirar no chão só para sentir que o mundo todo gira enquanto fico parada no meio do quarto sou um ponto fixo no meio do tumulto que nunca cessa

um ponto que não tem fim

Deixa eu acabar me imploro e te imploro 
Em que lugar está você, vida, me pergunto toda a vez que deito meu corpo pesado na cama delicada, sem ter ido tomar uma cerveja no bar da esquina. Não existe encontro sem procura, alguém me disse uma vez. Respondo: não existe procura sem vontade.

Injeta em minhas veias algo mais do que a sobrevivência, suplico-te. Mas suplico-te por extenso porque também já perdi a força nas cordas vocais.

Diluí-me no silêncio. Logo mais ele será pouco para mim. 

Notes from the couch XXIV

Sabendo, pois, que a tristeza é pesada demais, não posso com a tristeza dos outros. Se forçarem a entrada, vomito. É tanto que está dentro que não há espaço. Para abrir uma fenda, porém, é preciso que meu corpo se livre de algo. Entretanto, esse algo não sai. Permanece na ânsia de vômito que depois vira só ânsia. Sou, então, ânsia. Ânsia e tristeza. Ânsia, tristeza e loucura.
Na verdade, é necessário que se diga que estou louca com a minha loucura. Que já atingi outro estágio desta que é inimiga da lucidez. Estou, pois, duas vezes tomada pela loucura. A senhora que sentava-se delicadamente, com as pernas cruzadas, no canto do quarto - onde dispus uma cadeira forrada de veludo vermelho - já não me atinge com a calma e a simpatia de antes. Sumiu, esta, deixando um rastro intragável pelo corredor cinza do quarto andar.  E no meu pulmão. Em sua ausência física, senti aquela outra, aquela que eu julgava ter morrido. Estava tão certa disto que até havia começado a escrever um conto sobre a sua morte, no qual havia escolhido a seguinte frase para o topo da narrativa: "Um ensaio sobre a loucura". 
O que fazer agora que estou novamente tomada por ela, a ânsia corroendo a garganta, insultando o sono, delineando manchas pretas embaixo dos olhos, cortando a fome. Ponto de interrogação. O que fazer agora se o agora nunca irá se cessar, se a loucura corrompe os olhos, o brilho bordado cuidadosamente para os navegantes. Ponto de interrogação. 

Venho por meio deste dizer que sucumbo a mim mesma como sucumbi a tantos outros eu's. Sucumbida de mim mesma, e esta não tendo aceitado a minha rejeição, não posso fazer outra coisa a não ser me distrair de mim, mentir que já não sou, que já não me pertenço e que não voltarei a me aceitar.


A culpa é dos livros. Esta será a minha frase de defesa quando me colocarem na cadeirinha do tribunal e julgarem os meus crimes. 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Notes from the couch XXIII

Não sei dizer "sim" sem antes dizer "não". Em todos os casos, a aceitação deve ser precedida pela negação. É importante que se tome precaução antes de mergulhar. Precaução de que, você me pergunta. Precaução de nada, te respondo. Preciso que o espaço de nada exista - e persista em mim. Antes saturada de nada do que afogada.
Embora agora eu saiba, e veja, que isso não passa de teoria, e que estou afogada, alimento a possibilidade de um dia dizer "não" antes de "sim". No momento estou muito profunda. Não consigo pensar antes de agir. Aliás, não consigo pensar em momento algum. Mergulhei sem máscara nem pé de patos. Sinto a água nos meus pulmões, nas veias, nos olhos (é por isso que eles estão vermelhos). Sinto a água até na ponta dos pés. Ela faz cócegas e me deixa pesada. Um dia vou me esvaziar. De água e de aceitação.

Querida Natasha,

estou rebelde de novo. Sei que esta não é a palavra mais apropriada, mas não sei se a palavra apropriada existe. Olho para o mundo e ele me olha de volta com olhos entorpecidos de fúria, de violência. Sinto o cheiro de veneno a cada esquina. Espero (não com vontade, mas com certeza) que algum tentáculo impeça meus passos, me derrube na calçada, rague minha roupa amassada. Espero alguma gargalhada alta, no meio da noite, vindo de boca alguma. Quebramos qualquer enlace - eu e o mundo - que tivemos durante esse tempo. Não consigo mais me enganar. Antes eu fazia isso muito bem. Usando as tuas palavras, me fiz "pato". Mas já não consigo mais me fazer assim. O bico pesa. Os pés vacilam. Não consigo nadar com eles.
Pela primeira vez em muito tempo, não sei o que vai ser de mim. E também, pela primeira vez, me preocupo com isto. Sinto que estou prestes a quebrar qualquer coisa que não deve ser quebrada. Às vezes sinto que já quebrei, que não tem mais volta, que estou fadada a estar fora do mundo. Não que isto seja ruim. Mas é ruim saber que quem está à mercê do mundo engole e digere esta condição. Dói mais. 
É mais fácil fingir ser pato. Ó, por Deus, é, sim. Mas enclausurada neste quarto quente, nesta casa apertada, já não consigo mais me convencer a fingir. O que faço, te pergunto, se minhas mãos anseiam por isto que está para ser destruído - o que meu coração não irá aguentar?

Com saudade e uma angústia que não me deixa dormir,
Thaís

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Estou crua

Nua, deito na cama
E deixo entrar a lua

Estou sua

sábado, 16 de novembro de 2013

Sem título

Estou cada vez mais dentro de mim. Me engulo e me protejo do mundo. Vivo em posição fetal. Quando me sinto ameaçada, abraço minhas pernas e me fecho um pouco mais. Tenho cãibras, tamanha a tensão. E a tensão me empurra para dentro. Sempre para dentro. Amontoa as palavras, os sentimentos, a razão. Amontoa nos olhos. Mas os olhos também são para dentro. Eu olho para fora, mas estou dentro. Vejo tudo, menos o que acontece do meu lado.

Não sei até quando vou caber dentro de mim. 

Dois pontos, letra minúscula

Eu devia ter avisado-a naquela vez, em frente ao portão de casa, na nossa despedida, que é fácil se perder. E que não é somente fácil, como repetitivo. Depois que se perde a primeira vez, torna a perder-se repetidas vezes, tantas que o estômago revira-se em protesto. Perdida, ela já não poderia fazer ou dizer qualquer coisa. É por isso que silencia. Mas eu não disse. Senti a boca seca e as frases desconexas. Pensei ser um falso pressentimento. Não era.

Perdido, o coração estufa o peito. É grande e pesado. Frágil. Bate descompassado. Tem espasmos. Dança. Se revira. Quer espaço. Não tem. E ela desconhece a situação do seu pobre coração. Acha que é porque bebeu muita cerveja. Não sabe que está perdida. Que sempre estará. Que esta é a sua condição. Está fadada a perder-se até o final da sua vida. E quem sabe também depois.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O ponto que eu quis dar

O que fica é o reflexo na janela, 
o batom vermelho que borrou a boca 
e transformou o rosto em uma caricatura de palhaço. 

Os lábios se contorcem como se fossem dizer, 
como se fossem explodir em silêncio,
como se fossem cair na confissão.

O que fica é a velha nostalgia,
a nova melancolia revestida 
e os olhos ainda mais fechados do que outrora.

As pálpebras inchadas também incham o peito,
incham a semana corriqueira,
incham as palavras que não deviam ter sito ditas.




Estou constantemente esmurrando em ponta de faca. Quanto mais minha mão sangra, com mais raiva eu fico, e mais eu esmurro. É automático. Quando a faca perde o fio, afio. Não posso desafiar um adversário que não esteja à minha altura. É uma briga justa. Mas a faca nunca se machuca.

Sem título

Seja uma boa menina, lhe digo quando põe os pés em casa. Por favor, não beba muito café, não vá dormir muito tarde, arrume a cama, lave a louça, não saia com o cabelo molhado, leve um casaco, tome café da manhã, não converse com estranhos, feche o gás antes de sair, desligue o ferro de passar roupa, cuide ao atravessar a rua. Só atravesse na faixa de pedestres. Não ande de bicicleta à noite. Não converse com lagartixas. Pare de ter amigos imaginários. Sou como uma mãe chata. Sou como mãe de Maria. Maria que tem mar no nome. Que tem ar. Mas que não tem juízo. 

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Notes from the couch XXII

Hoje eu te vi no ar que entrou pela fresta da janela nas primeiras horas de manhã. Te vi quando abri os olhos pela primeira vez, na mancha amarela da parede branca. Te vi no vento que entrou quando me sentei para escrever. E te vi no copo de vinho da noite anterior, manchado de batom vermelho. Te vi no sol que bate nos livros. E nos lembretes que fixei na parede dizendo o que preciso fazer até o final do ano. 
Hoje eu te vi no lençol bagunçado, nas cobertas enroladas, nas luzes de natal que eu esqueci ligadas durante a noite. Te vi na foto velha que eu coloquei no porta-retrato novo, na caixa da vitrola sem a vitrola, no livro que eu deixei ao lado da cama quando fui dormir. Te vi na cortina do quarto, longa, branca e cheia de pó. Te vi na música que enche o peito. E no vazio que está na barriga. 
Hoje eu te vi em todos os lugares que você não está. Todos os dias, dos últimos quase seis anos, eu te vi assim.

A real sobre a realidade

Dei banho na realidade. Ela ficou tanto tempo debaixo d’água que mãos e pés ficaram enrugados. Chamei-a de elefante. Ela não respondeu. Com o riso ainda contido na cara, sequei-a com cuidado, para não arranhar a sua pele delicada com a toalha áspera, e lhe dei a minha melhor camisola, a vermelha, que tanto parece um vestido de bailarina. Pintei seus lábios finos com o meu batom mais novo. Alonguei seus cílios com o rímel barato e antigo. Penteei os longos e negros cabelos, que lhe caem até a metade das costas retas. Silenciou, a realidade. Deixou-se moldar por mim, eu que sempre fui tão à mercê dela. 
Depois de limpa, sentei-a na beirada da cama e deixei que ali ficasse. Abri as janelas e o sol entrou no quarto. Senti cheiro de manhã, de rua, de descanso. Há meses que não sabia o que existia além do extremo cansaço. Há meses que não sabia o que era uma noite de sono. Há meses que me deixava ser levada pelos dias, pela rotina, pelas cervejas antes da aula, pelas noites massantes. Varri o chão, arrumei as roupas, tirei o pó dos livros e preparei uma xícara de café. Servi-a de café também. Realidade bebe café, pois sim. E descobri que nos sentimentos melhor sem comer. Eu e ela, vazias, leves.
O dia passou com a janela batendo, por causa do vento, com a realidade sentada na cama, em silêncio. E o sol sumiu e virou noite. E a noite também entrou no quarto. E o dia passou, mas espero que a calma da realidade não passe. Que continue sentada na beirada da calma, em silêncio. Que silencie meus pesadelos e a contínua exaustão. 

Quase ajoelho à sua frente e oro. Mas permaneço com os lábios selados também. Nos acertamos assim, sem pronunciar qualquer coisa.