sexta-feira, 21 de janeiro de 2011


Hoje, sobre uma noite pouco dormida mas tranquila,
sobre mosquitos mortos na parede do quarto e
os dias de férias na praia quente e transparente.


Hoje, sobre o inefável que liga o sentimento clichê,
sobre médicos que se especializam em problemas estranhos e
as estrelas cantando a última música antes de eu dormir.


Hoje, sobre uma solidão que de tão doce não dói,
sobre ruas asfaltadas que emitem sons ensurdecedores e
o café quente da térmica que acaba quando eu me sirvo.


Hoje, sobre os segundos congelados do pôr do sol,
sobre pessoas que te amam e choram quando você vai e
gatos que não te amam mas ficam perto de você.


Hoje, sobre a brevidade da paz.
Hoje, sobre o corpo descansado.
Hoje, sobre a tristeza que se foi.

Amanhã não se sabe.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Vou pegar as malas, amanhã ou depois, colocar no carro e ir. Ir pra qualquer lugar longe daqui.

domingo, 16 de janeiro de 2011


Acordaram cedo no domingo, os olhos cansados e o corpo já sentindo o peso da saudade que os dominaria nos próximos meses. Descobriram que ela iria embora naquela tarde, assim, repentinamente. Ele sentou na cama e chorou, as notícias ruins do domingo se acumulando. Ela sentou no colo dele e o abraçou com tanta força que pode sentir toda a tristeza, e chorou, também.
A mala para ser arrumada e o tempo que não passava. Foram almoçar pizza italiana em um restaurante italiano. Depois voltaram caminhando para casa, lentamente. O sol forte queimando a pele dos dois. Os segundos se arrastando e eles apenas esperando.
Chegaram no aeroporto com os olhos cheios d'água. Ele não chorava porque queria se manter forte pra que ela não chorasse, mas ambos caíram no pranto assim que viraram as costas. Foi assim: São Paulo, 15:00, sol e a dor da partida. O último abraço apertado dos próximos sabe-se lá quantos meses. Talvez dois ou cinco. E a moça que conferia as passagens também ficou com os olhos cheios d'água, vendo a despedida. Ela caminhou sem rumo, querendo achar o portão certo de embarque. Chorou. Ele saiu do aeroporto para ir para casa. Chorou.
Uma hora e meia de voo, mil quilômetros e as nuvens lindas e irônicas no céu. Domingo feito para dar errado. Ele chegou em casa e se sentiu perdido. Ela chegou em casa e se sentiu perdida. Logo a lua veio no céu dela. E no céu dele as luzes dos prédios que nunca se apagam.

Tudo é incerto, menos o que os une.
Mais uns dias, uns meses, uns anos.
E a ponte de concreto não balança nem com as tempestades.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Querida,

liguei ontem para você para saber como as coisas estão por aí, sem mim. Você disse que nevou durante uma semana. Nunca tinha nevado comigo aí, nessa cidade pequena. Já faz cinco anos que não retorno. O meu braço direito está pior a cada dia e todas as vezes que telefono para minha mãe ela reclama e diz que fui uma filha ingrata por ter ido embora sem avisar ninguém e sem motivos aparentes. Ora, mãe, você devia ter sido a primeira a saber que na minha vida a palavra motivo nunca teve relevância.
Não perguntei se você está namorando. E você não disse. Lembrei das vezes em que conversávamos para não sair da rotina e você me contava novidades que eu não pedia. Você continua mudando e eu não lamento mais, não como lamentava uma vez. Tá quente demais aqui. O calor deixa o corpo mole mas nos transforma em pessoas mais duras, mentalmente. Aprendi a dizer não e a ser menos sentimental. Você não entenderia isso. Os meus peixes morrem rapidamente e faz uma semana que o aquário está vazio. Acho que desisti de ter vida em casa, constantemente.
Estou com saudade da neném que agora nem é mais tão pequena assim. Chegou aos seus oito anos. Ela é a única que me faz sentir saudades. Você, querida, nem sei mais como é o seu físico. Evito ver as suas fotos na internet e penso menos em ti com o passar do tempo. É difícil fazer isso quando fiquei tanto tempo presa à ti. Você era uma das muitas pessoas que não acreditava que eu largaria tudo, aí, e viria. Sempre pensou que eu fosse apegada às pessoas e aos domingos no parque. Nunca soube, realmente, o que brilhava fundo em mim.

Agora eu me despeço, aqui, nesta carta que você nunca lerá; não conscientemente.
Adeus. Seu sorriso há tempos deixou de me fazer feliz.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Lia as placas dos carros, indo para o trabalho, na tentativa de tirar um pouco do vazio que amanhecia dentro de si. Às vezes contava os carros vermelhos, na longa rua cheia de buracos, ou apenas tinha o cuidado de não pisar no cimento que ficava em volta das pedras, na calçada.
Nada disto era tentativa de fuga. Nada disto podia classificá-la. Uma vez tentava formar palavras com as nuvens, mesmo que todo mundo lhe dissesse que o que se formavam com elas eram desenhos. Desenhava mal. Desenhava tão mal que se orgulhava dos seus rabiscos sem direção. Na verdade se orgulhava de tudo o que fazia porque, afinal, era realizado com o maior cuidado.
Até dobrar a cama a orgulhava. Escovar os dentes a fazia sorrir. Mas era estranho porque, quando se olhava no espelho, via qualquer coisa menos os seus lábios curvados, sinalizando felicidade.

-Mas quem disse que sorrir significa estar feliz?
-Significa o que, então?
-Não significa.

E as nuvens nem são a última coisa antes da Terra acabar, como ela pensava quando sua altura pouco passava de um metro. Estar acima das nuvens, agora, era mais importante do que qualquer outra coisa. Mas ela não estava. Estava presa ao chão.

domingo, 2 de janeiro de 2011

"(...) a morte apaga os traços de espuma do mar na praia." Lispector


A ponte balançou com o vento, literalmente. Não como nos posts. Não como nos pesadelos em dia de calor. Eu estava lá. Eu estive lá por noites e a água do rio, que caía no mar, olhava pra mim. Pouco a pouco os meus olhos refletiam o brilho que emanava dele e a minha alma fazia o mesmo barulho que as ondas se quebrando na praia.
As madeiras velhas da ponte não faziam barulho e eu sabia que isso era pior do que se fizessem. As piores ações não são acompanhadas de sons. E eu estava me equilibrando no meio dela, os pés sujos de areia, a boca com mais sede de cerveja, o corte no braço e o vento que aumentava os nós nos meus fios de cabelos tingidos.
Não tenho medo do mar. Não tenho medo da ponte que balança com o vento. Não tenho medo do medo. A gente sempre acha, do alto de um prédio, olhando pra baixo, que se fosse em um momento melancólico nos atiraríamos de lá. Sempre fui muito viciada em situações como essa. E o desejo do perigo não é consciente. Me atirei nas noites pra vomitar as manhãs. Não sei por que, não sei por que não quis pular da ponte. Talvez o balanço dela me deixasse em paz. Poderia me embalar pra dormir. Poderia cantar uma música ou ler o trecho de um livro. Mas, ainda assim, podia me matar.

A morte tem gosto de mar. Mas o mar é vida. E todos nós viemos da mesma fonte. E voltaremos pra ela.