quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Lia as placas dos carros, indo para o trabalho, na tentativa de tirar um pouco do vazio que amanhecia dentro de si. Às vezes contava os carros vermelhos, na longa rua cheia de buracos, ou apenas tinha o cuidado de não pisar no cimento que ficava em volta das pedras, na calçada.
Nada disto era tentativa de fuga. Nada disto podia classificá-la. Uma vez tentava formar palavras com as nuvens, mesmo que todo mundo lhe dissesse que o que se formavam com elas eram desenhos. Desenhava mal. Desenhava tão mal que se orgulhava dos seus rabiscos sem direção. Na verdade se orgulhava de tudo o que fazia porque, afinal, era realizado com o maior cuidado.
Até dobrar a cama a orgulhava. Escovar os dentes a fazia sorrir. Mas era estranho porque, quando se olhava no espelho, via qualquer coisa menos os seus lábios curvados, sinalizando felicidade.

-Mas quem disse que sorrir significa estar feliz?
-Significa o que, então?
-Não significa.

E as nuvens nem são a última coisa antes da Terra acabar, como ela pensava quando sua altura pouco passava de um metro. Estar acima das nuvens, agora, era mais importante do que qualquer outra coisa. Mas ela não estava. Estava presa ao chão.