domingo, 22 de maio de 2011

"Fuja comigo e navegaremos pelo mundo. O som das nossas vozes nos fez esquecer tudo. Andamos pelo estádio e ternamente você conta sobre o livro mais triste que você já leu. Isso sempre te faz chorar. Queria que você estivesse aqui comigo para passar o fim de semana maçante. Te beijo na testa na sombra do trem. Oh, fuja comigo e escolheremos algo empolgante. E no oceano há um peixe que tem um desejo secreto. O desejo de ser um cacto com uma flor rosa sobre ele. Conte à Verônica o segredo do garoto que você nunca beijou. Venha para casa me manter longe dessas noites sem dormir."

E quando todo aquele silêncio de sexta à noite é quebrado, inesperadamente, se transforma em ruídos ininteligíveis. Não chora, mocinha, a casa de madeira não está caindo. E você precisa disso para continuar indo em frente e suportar o excesso e a falta. Meu pai disse que eu sou bonita quando estou de ressaca, mas eu esqueci de dizer que a ressaca nem veio dar bom dia e mandou a melancolia no lugar. Como é que se dorme sem esses sonhos malditos?
Goteja água suja da torneira do banheiro. O computador começa a surtar a essa hora. Penso se é o reflexo da mente. Perfeito demais. A sintonia não pode durar tanto. Cerveja bonita em copos de vidros. Não sei brindar. A falta de criatividade nunca foi rotineira, mas a falta de desejos... bem, estou surpresa com a volta das expectativas. Era para falar na terceira pessoa do singular? Esqueci. Bebi mais informações do que podia e acabei engasgando. Você entende? Essa frase virou gíria para mim. Passou da uma. Como é que se dorme com a insônia deitada na minha cama?

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Garrafas trincadas pelo eco do silêncio
O outono cai da árvore desacordada
Elefantes rosas pisam nas folhas secas
A rima se encontrou no sol da madrugada


O vento de quinta-feira se exibindo para mim, no final do dia. Quando começo a aceitar as olheiras, vejo a menina na parada de ônibus. Parece que estou diante de um espelho, só que há quatro anos. Mas agora insensibilidade e indiferença andam juntas, loucura e lucidez se tornaram sinônimos. Ela com aqueles olhos grandes, a calça de uniforme colada ao corpo, o cabelo preso em um coque solto, a mochila grande atrapalhando o seu andar. All star branco e infantil, limpo, nos pés. Tem o nome parecido com o meu. Mora perto da minha casa. Que coincidências estúpidas.
Tento ajustar os fatos. Não consigo. A realidade pregando uma peça, novamente. Fico encarando a guria, sem nem mesmo notar. A nostalgia transborda dos meus olhos castanhos. Os dela também são dessa cor, mas é empolgação, alegria e ócio que transbordam. A voz soa alto demais quando fala com os seus amigos. Que bela imagem, aquela. Tão bonita que começo a ficar irritada. E o sol some atrás do prédio em construção. O ônibus chega, ela é a primeira a subir. Xinga o motorista e depois ri, senta na poltrona, alarga a manga e coloca as mãos por dentro, de modo que não posso ver se suas unhas estão roídas ou compridas e vermelhas.
Passado melancólico entrando pela fresta da janela. É frio demais no outono. Os gatos espirram constantemente. A menina apenas de moletom, apesar dos dez graus. É tão sociável. Espera, eu penso, espera que a vida te faz mudar e os livros te induzem ao inconformismo e você perde toda essa ingenuidade e cai para dentro das armadilhas quando o sorriso se apaga, mesmo que por um segundo.
Você é ainda da época em que se acreditava em contos de fadas? Você tem vergonha de ficar sem roupa na frente das suas amigas e está na fase em que vodca pura é rebeldia e é isso que te faz beber? Você tem medo dos barulhos da rua? Deixa eu te avisar: a loucura logo vem. Deixa eu te avisar já que ninguém disse isso para mim. Deixa eu te avisar, para você preparar a sua mente e não deixar que ela te engane. Só não vem com o papo de que a lua é sua. Não é coisa nenhuma. Ela é minha e isso nunca vai mudar.
Dona moça, pensando bem... você não é parecida comigo quando eu tinha 15 anos. O meu cabelo era vermelho e o meu all star branco, bem, veio depois. Eu não usava calças coladas e minha mãe não falava tão docemente comigo como a sua fala contigo. Eu nem tinha um namorado que se parecia novo demais. Eu não ia para casa depois que o sol se punha e nem era tão social assim. Enterro esse passado que tenta se infiltrar no presente, desço do ônibus e o excesso de afazeres deixa o vazio permanecer em mim.


Balas de cereja servem de café da manhã
O frio reflete nesses olhos apagados
Girafas acordam com medo dos sonhos
A parede toda com desenhos rabiscados


Ela deita na cama essa noite e sente o gosto do que vai vir a ser insônia. Não se importa com isso agora. Vira para o outro lado, na cama, e sonha com um jardim encantado.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Sete graus, meia noite e meia de quarta, uma pilha de louça suja para lavar. Insônia, outra vez, acompanhada da indiferença rotineira de terça. Pelo menos quatro matérias para serem escritas no outro dia. Aula. Chegou em casa da faculdade, o quarto todo arrumado, um bilhete com letra grande pendendo em cima do travesseiro "Favor abrir a janela e separar as roupas sujas pela manhã". Caralho, a menina pensou. A semana toda com esse vocabulário. Mas a mãe sabia que ela não tinha tempo para muitos afazeres. Trabalho às oito da manhã, faculdade até meia noite. Ir dormir à uma. As roupas sujas que se danem, falou.
Cama fria, despertador quebrado, chá de hortelã sem açúcar. Também recolheram o lixo do seu quarto: um frasco de desodorante, papéis de chocolate, uma lata de cerveja vazia, folhas rabiscadas e amassadas, fotos rasgadas e cartelas de remédios. Ninguém tinha o direito de mexer no seu lixo. Ninguém devia entrar no seu quarto. Amanhã o trancaria e levaria a chave. Amanhã não iria abrir a janela. Frio demais no outono. Quem precisa de um quarto assim?
Lençol térmico esquentando enquanto preparava o chá, barriga roncando, geladeira vazia, avó doente, imunidade baixa, comprimido rosa. Desilusão. Não soube montar as frases, hoje. Deitou no banco de concreto da faculdade, no final da aula. Treze graus, lá. Três aviões pousando em Porto Alegre. Los Hermanos no ipod. Céu azul bonito, lua olhando para a menina, árvores com cheiro de árvores. Odiava as terças-feiras. E as segundas. E as quintas. E os sábados. Dava para engolir as quartas e os domingos. As sextas amanheciam com gosto de cereja. Barcos andando na chuva.
Não fazer barulho de madrugada. Não ler Kerouac antes de dormir. Bukowski acalma, lembra? Os gatos pararam de miar. Não existem sons vindos da rua, a essa hora. Só escuta o chiado da sua própria mente e os dedos quentes batendo com força no teclado frio. Sempre essa incoerência. Hemingway está chato demais. Vou pular essa parte. "Maldita hora que escolhi trabalhar com pessoas", frase do dia. "O final perfeito para essa porcaria de história", brilho eterno. Mas sabia que as coisas na sua vida não tinham fim.

Não vamos discutir literatura essa noite.

"Poesia, pintura, areia, putas... comida, fogo, morte, bobagem... o ligar de ventilador... a garrafa." Bukowski

domingo, 15 de maio de 2011

Sou desgraçada por ficar triste com a perfeição? Me diga. Me diga por que eu falo que é tarde demais quando ainda é cedo. Que critérios a minha mente usa para definir isso? Sou tão pequena. E tão nova, apesar de todo o meu ser sentir o peso da rotina e querer se jogar do abismo. Troco a minha coroa por essa camiseta rasgada e por esse tênis surrado. Não faço objeções.

Você precisa cuidar de mim.

M.B.

sábado, 14 de maio de 2011

Duas garotas perdidas na noite. Não sabem disso. Chegam ao ponto de ônibus com copos de plástico na mão, depois da faculdade, gargalham alto e tentam abafar o som, carregam bolsas pesadas nos ombros. Drogadas ou bêbadas... que diferença faz? Deve ser vodca no copo. Deve ser histeria na mente. Na vala comum. Falam de amantes, lugares e erros. Falam de morte.
Luto para passar pelo corredor e chegar ao banheiro, nas sextas. Elas duas sentadas no chão do ônibus, um brilho absurdo emanando dos olhos, dentes brancos perfeitos e expostos. Não oferecem companhia. Apenas pedem para alguém abrir a porta para mim. Não voltam para casa naquela noite. Nem na próxima. Nunca voltam.

Sorrisos que choram.
Lágrimas que sorriem.
É ironia falar da incoerência.

Tudo é engraçado se tem algum sentido. Vai ver que é por isso que eu não acho graça em nada.

Entenda que você não pode me deixar sozinha, sexta após sexta, naquela avenida longa e movimentada. É perigoso. Essa espera consome os meus dias, as minhas madrugadas e a minha vida. Sabe-se lá qual vai ser o (meu) próximo passo.

M.B.

segunda-feira, 9 de maio de 2011


Mãos grandes e secas, maiores do que as de uma menina de quatro anos. Dedos longos e grossos, cor de leite. Cheiro de leite, também. Me encara com aqueles olhos azuis, quase cinzas, que não mentem nem escondem os fatos. Quase não fala comigo. Entra no meu quarto, se ajoelha no meio dele e passa dez ou quinze minutos observando todas aquelas pessoas sorridentes, os pores do sol e os dizeres no final da parede lilás, já velha e com a tinta descascando. Não pergunta quem é. Não pergunta o que está escrito. Melhor assim, penso eu.
Sem qualquer laço de sangue comigo. Sem qualquer compatibilidade. Ela come todas as bolachas com doce de leite que eu coloco na sua frente. Bebe, delicadamente, a coca-cola no copo de cristal e limpa a boca com as costas da mão. Não sorri nem nada. É madura demais até mesmo para isso. Quando fala, faz apenas questionamentos. A voz não ecoa na cozinha; é firme, clara e grave. As suas frases bem pontuadas me deixam com vergonha.
-Por que tu disse idiota, Thaís?
-Desculpa, falei sem pensar, tá?
Não gosta de mim. Deve ser isso. Vem na minha casa nas noites em que o estresse se sobressai. Ela puxa o rabo do gato e ele se esconde. A menina vai procurar o animal pela casa e sempre esbarra na porta do quarto. O inverno deixa a barriga dela mais saltada do que o comum. Os pézinhos, tortos, moldam a pantufa com formato de rato. Caminha depressa quando levo ela a algum lugar. Raramente quer saber qual o destino. Apenas diz sim ou não, isso quando fala. Vai crescer, um dia, e isso é o que mais me dói. Vai ser uma dessas garotas comuns. Vai se apaixonar e chorar. Vai tingir o cabelo louro, tão lindo. Vai pintar os olhos de preto, bem forte. Vai ficar bêbada, arrumar um emprego doentio, usar salto alto, pintar os lábios de rosa, rebolar e sair com os homens que possuem apenas interesses carnais.
Com raras chances vai ler bons livros, escutar músicas melancólicas e falar sobre tardes de domingo. Com raras chances ela vai detestar política, futebol e festas. Talvez seja decente. Talvez não saiba o significado desta palavra. Ela pode ser bailarina se emagrecer. E se não emagrecer pode ser também. Quem sabe ela vá contra todas as regras, colecione meias listradas e durma com pijamas aveludados, apenas. Não sei. Ela sabe. Ela sabe o que vai ser.
Tem momentos em que eu apenas preciso da certeza de que você não existe. Por isso tento fazer com que ninguém te veja. Eu te escondo. Ninguém te conhece. Fazendo isso, eu crio a ilusão de que você não passa de mais um dos inventos da minha mente. Estranho é quando me dou conta de que não sei nada de ti. Entro em transe porque vem a confirmação de que você é, de fato, real. Não sei nada de ti porque você existe, compreende? Se não existisse, eu teria te desenhado a meu modo e, nesse instante, você seria meu delírio mais completo.

É o meu delírio incompleto. Isso me deixa perplexa e agoniada. Angustiada. Mas eu nunca gostei de perfeição, afinal. Quando é que você se muda?

M.B.

domingo, 8 de maio de 2011


Pensava ser de plástico
Um ou dois vestidos amarelos
Bochechas reluzentes

Pensava ser de madeira
Movimentos limitados
Olhos transparentes

Pensava ser de porcelana
Cílios longos e grossos
Um braço quebrado

Pensava ser de pano
Pernas desengonçadas
Rosto remendado


Só não pensava ser de carne. Que graça tinha nisso?

sábado, 7 de maio de 2011

"Para tranquilizá-lo dou um sorriso de despedida e começo a andar mas ele continua olhando com atenção cada movimento do meu sorriso e de minhas pestanas, não consigo me virar com um olhar malicioso, arbitrário, quero sorrir para ele quando estiver a caminho, ele responde com os próprios sorrisos elaborados e psicologicamente corroborativos, trocamos muita informação entre nós com sorrisos loucos de despedida." Kerouac

Você sumiu por uma semana e três dias. Enquanto vi o delírio dominando a minha mente, troquei os lençóis brancos da cama pequena, coloquei no travesseiro a fronha manchada de batom, limpei as xícaras que ficam na cabeceira e tive uma overdose de chocolate. Imaginei que teríamos filhos calmos e inteligentes. Bem, eles, pelo menos, saberiam falar inglês. Manchei o espelho com alguma coisa que não lembro. Bebi conhaque e esqueci de comer por uns dias. Não saí de casa. Dormi no cômodo vazio, um cobertor estendido no chão, o eco do silêncio formando uma melodia. Frio em todo o lugar.

Pensei que você não voltaria. Imaginei a sua chegada, a porta se abrindo, você me abraçando delicadamente e todo aquele repertório de palavras que escrevi para você me falar. Meu fígado não aguentou e morreu no oitavo dia de ausência.
Esse seu telefone telepático não anda funcionando. Favor chamar um técnico.

M.B.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Sei que preciso dormir e excluir essas olheiras. Vagabundos são os meus pensamentos que abandonaram essa denominação. Mas é só final de semana e as madrugadas de segunda a sexta. Angústia, meu amor. Litros de cerveja não vão adiantar. Até porque faz oito graus aqui dentro de casa. Ih, acabei de lembrar que deixei o lençol térmico ligado.
Me telefona em pensamento assim que chegar em casa. Estarei acordada ou sonhando com a realidade que crio, mas que não é ilusão. Você é quem sabe. E que a sexta seja boa, por favor.

M.B.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

"(...)mas parece continuar existindo nela, e mais do que nunca,um abismo insondável no qual ele sente medo de cair também." Anne Plantagenet

Tudo o que ela precisava era beber um copo de vodca pura para que pudesse deitar e dormir sem ter sonhos, pesadelos ou desejos. Mas não podia. O líquido não ia descer. Se sentisse o cheiro, em seguida vomitaria, mesmo que o estômago estivesse vazio. Fazia três anos que não virava o copo. A última vez, meia garrafa de vodca, sozinha, antes de uma festa. Ice (três ou dez) para finalizar, escondida no banheiro. Bastou. Da 1h da madrugada até às 5, no canto, vomitando, um casaco emprestado porque estava tremendo, uma garrafa de água para limpar a boca. Meus deus, quanta rebeldia. Sua mãe dizia que era feio uma menina ser assim. Sabia que era. E daí?
Abandonou a rebeldia há seis meses. Sem cabelo vermelho ou discussões para tentar fazer prevalecer a opinião. Cansou das pessoas. Cansou de si mesma. Duas refeições por dia. Nada mais. O cansaço pesando nas costas. A insônia, com toda a sua ironia, protagonizando as noites. Belas noites chuvosas ou nubladas, mesmo sem a lua. Onde diabos ela havia se metido? Um copo de vodca, por favor. Depois uma boa noite de sono. Dormir e não acordar. Dormir e acordar três dias depois. Isso também já fizera. Estômago sensível. Sem pensamento suicida. Uma vida perfeita. Uma mente complexa demais.

-Fique com a sua complexidade. Adeus.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Gritos e frio logo pela manhã
Mesmo assim desejei ter ficado
E vomitado o vazio no espelho

Agora, o telefone não para de tocar
Escuto minhas próprias lamentações
E desejo que a noite termine bem

O que se pode esperar quando já não se confia em mais nada?