quinta-feira, 19 de maio de 2011

Garrafas trincadas pelo eco do silêncio
O outono cai da árvore desacordada
Elefantes rosas pisam nas folhas secas
A rima se encontrou no sol da madrugada


O vento de quinta-feira se exibindo para mim, no final do dia. Quando começo a aceitar as olheiras, vejo a menina na parada de ônibus. Parece que estou diante de um espelho, só que há quatro anos. Mas agora insensibilidade e indiferença andam juntas, loucura e lucidez se tornaram sinônimos. Ela com aqueles olhos grandes, a calça de uniforme colada ao corpo, o cabelo preso em um coque solto, a mochila grande atrapalhando o seu andar. All star branco e infantil, limpo, nos pés. Tem o nome parecido com o meu. Mora perto da minha casa. Que coincidências estúpidas.
Tento ajustar os fatos. Não consigo. A realidade pregando uma peça, novamente. Fico encarando a guria, sem nem mesmo notar. A nostalgia transborda dos meus olhos castanhos. Os dela também são dessa cor, mas é empolgação, alegria e ócio que transbordam. A voz soa alto demais quando fala com os seus amigos. Que bela imagem, aquela. Tão bonita que começo a ficar irritada. E o sol some atrás do prédio em construção. O ônibus chega, ela é a primeira a subir. Xinga o motorista e depois ri, senta na poltrona, alarga a manga e coloca as mãos por dentro, de modo que não posso ver se suas unhas estão roídas ou compridas e vermelhas.
Passado melancólico entrando pela fresta da janela. É frio demais no outono. Os gatos espirram constantemente. A menina apenas de moletom, apesar dos dez graus. É tão sociável. Espera, eu penso, espera que a vida te faz mudar e os livros te induzem ao inconformismo e você perde toda essa ingenuidade e cai para dentro das armadilhas quando o sorriso se apaga, mesmo que por um segundo.
Você é ainda da época em que se acreditava em contos de fadas? Você tem vergonha de ficar sem roupa na frente das suas amigas e está na fase em que vodca pura é rebeldia e é isso que te faz beber? Você tem medo dos barulhos da rua? Deixa eu te avisar: a loucura logo vem. Deixa eu te avisar já que ninguém disse isso para mim. Deixa eu te avisar, para você preparar a sua mente e não deixar que ela te engane. Só não vem com o papo de que a lua é sua. Não é coisa nenhuma. Ela é minha e isso nunca vai mudar.
Dona moça, pensando bem... você não é parecida comigo quando eu tinha 15 anos. O meu cabelo era vermelho e o meu all star branco, bem, veio depois. Eu não usava calças coladas e minha mãe não falava tão docemente comigo como a sua fala contigo. Eu nem tinha um namorado que se parecia novo demais. Eu não ia para casa depois que o sol se punha e nem era tão social assim. Enterro esse passado que tenta se infiltrar no presente, desço do ônibus e o excesso de afazeres deixa o vazio permanecer em mim.


Balas de cereja servem de café da manhã
O frio reflete nesses olhos apagados
Girafas acordam com medo dos sonhos
A parede toda com desenhos rabiscados


Ela deita na cama essa noite e sente o gosto do que vai vir a ser insônia. Não se importa com isso agora. Vira para o outro lado, na cama, e sonha com um jardim encantado.