quarta-feira, 18 de maio de 2011

Sete graus, meia noite e meia de quarta, uma pilha de louça suja para lavar. Insônia, outra vez, acompanhada da indiferença rotineira de terça. Pelo menos quatro matérias para serem escritas no outro dia. Aula. Chegou em casa da faculdade, o quarto todo arrumado, um bilhete com letra grande pendendo em cima do travesseiro "Favor abrir a janela e separar as roupas sujas pela manhã". Caralho, a menina pensou. A semana toda com esse vocabulário. Mas a mãe sabia que ela não tinha tempo para muitos afazeres. Trabalho às oito da manhã, faculdade até meia noite. Ir dormir à uma. As roupas sujas que se danem, falou.
Cama fria, despertador quebrado, chá de hortelã sem açúcar. Também recolheram o lixo do seu quarto: um frasco de desodorante, papéis de chocolate, uma lata de cerveja vazia, folhas rabiscadas e amassadas, fotos rasgadas e cartelas de remédios. Ninguém tinha o direito de mexer no seu lixo. Ninguém devia entrar no seu quarto. Amanhã o trancaria e levaria a chave. Amanhã não iria abrir a janela. Frio demais no outono. Quem precisa de um quarto assim?
Lençol térmico esquentando enquanto preparava o chá, barriga roncando, geladeira vazia, avó doente, imunidade baixa, comprimido rosa. Desilusão. Não soube montar as frases, hoje. Deitou no banco de concreto da faculdade, no final da aula. Treze graus, lá. Três aviões pousando em Porto Alegre. Los Hermanos no ipod. Céu azul bonito, lua olhando para a menina, árvores com cheiro de árvores. Odiava as terças-feiras. E as segundas. E as quintas. E os sábados. Dava para engolir as quartas e os domingos. As sextas amanheciam com gosto de cereja. Barcos andando na chuva.
Não fazer barulho de madrugada. Não ler Kerouac antes de dormir. Bukowski acalma, lembra? Os gatos pararam de miar. Não existem sons vindos da rua, a essa hora. Só escuta o chiado da sua própria mente e os dedos quentes batendo com força no teclado frio. Sempre essa incoerência. Hemingway está chato demais. Vou pular essa parte. "Maldita hora que escolhi trabalhar com pessoas", frase do dia. "O final perfeito para essa porcaria de história", brilho eterno. Mas sabia que as coisas na sua vida não tinham fim.

Não vamos discutir literatura essa noite.

"Poesia, pintura, areia, putas... comida, fogo, morte, bobagem... o ligar de ventilador... a garrafa." Bukowski