segunda-feira, 9 de maio de 2011


Mãos grandes e secas, maiores do que as de uma menina de quatro anos. Dedos longos e grossos, cor de leite. Cheiro de leite, também. Me encara com aqueles olhos azuis, quase cinzas, que não mentem nem escondem os fatos. Quase não fala comigo. Entra no meu quarto, se ajoelha no meio dele e passa dez ou quinze minutos observando todas aquelas pessoas sorridentes, os pores do sol e os dizeres no final da parede lilás, já velha e com a tinta descascando. Não pergunta quem é. Não pergunta o que está escrito. Melhor assim, penso eu.
Sem qualquer laço de sangue comigo. Sem qualquer compatibilidade. Ela come todas as bolachas com doce de leite que eu coloco na sua frente. Bebe, delicadamente, a coca-cola no copo de cristal e limpa a boca com as costas da mão. Não sorri nem nada. É madura demais até mesmo para isso. Quando fala, faz apenas questionamentos. A voz não ecoa na cozinha; é firme, clara e grave. As suas frases bem pontuadas me deixam com vergonha.
-Por que tu disse idiota, Thaís?
-Desculpa, falei sem pensar, tá?
Não gosta de mim. Deve ser isso. Vem na minha casa nas noites em que o estresse se sobressai. Ela puxa o rabo do gato e ele se esconde. A menina vai procurar o animal pela casa e sempre esbarra na porta do quarto. O inverno deixa a barriga dela mais saltada do que o comum. Os pézinhos, tortos, moldam a pantufa com formato de rato. Caminha depressa quando levo ela a algum lugar. Raramente quer saber qual o destino. Apenas diz sim ou não, isso quando fala. Vai crescer, um dia, e isso é o que mais me dói. Vai ser uma dessas garotas comuns. Vai se apaixonar e chorar. Vai tingir o cabelo louro, tão lindo. Vai pintar os olhos de preto, bem forte. Vai ficar bêbada, arrumar um emprego doentio, usar salto alto, pintar os lábios de rosa, rebolar e sair com os homens que possuem apenas interesses carnais.
Com raras chances vai ler bons livros, escutar músicas melancólicas e falar sobre tardes de domingo. Com raras chances ela vai detestar política, futebol e festas. Talvez seja decente. Talvez não saiba o significado desta palavra. Ela pode ser bailarina se emagrecer. E se não emagrecer pode ser também. Quem sabe ela vá contra todas as regras, colecione meias listradas e durma com pijamas aveludados, apenas. Não sei. Ela sabe. Ela sabe o que vai ser.