quarta-feira, 23 de maio de 2012

Ela pensou que talvez fosse a ausência de música clássica, todos os ruídos da rua se infiltrando na mente esgotada, quase lúcida em excesso, quase sucumbindo. Quis tanto quebrar com a realidade que os olhos passaram a projetar, do outro lado da rua, a imagem embaçada da incoerência, a luta dos próprios sentimentos por um espaço, mesmo que mínimo, de paz. Quis tanto quebrar com a noite que cantou a música do avião e olhou para o céu na esperança de não ver vazio. E lá estava o avião, passando por um vácuo sem pontos reluzentes, sem uma pérola gigante, com tantas histórias que quase caía de lá na avenida caótica.
Um passo em falso seria tão verdadeiro como a dor subjetiva, mas os pés jamais fariam isso. Obedeciam a obediência, a calmaria, ao conceito aplicado nos últimos meses, com dificuldade. Porque estava cansada de se cansar, e não era tempo de largar os remos. Porque as páginas em branco não eram mais possibilidades, e era tempo de não projetar os dias. Porque até a falta de motivo estava esgotada por existir. E existia há tanto tempo que se transformou em um monstro que ocupa todo o corpo, toda a mente, fazendo com que morra o que ainda não nasceu. E está ali, no limite da persistência dos erros.
Como se houvesse algo para ser salvo, ainda. Desista de uma vez, ela diz. O mínimo que vai ficar disso tudo é uma cicatriz. O mínimo, compreende? Quais são as chances de o mínimo acontecer? Os vazios se misturam em raios apagados e ela esquece as esquinas partidas que nunca quis lembrar. E ela escreve com a caneta azul que borra um conto que não pode ser publicado, que nem ao menos deveria estar escrito, que não deveria existir. Mas existe. E faz questão de salientar a sua vida adocicada com sinaleiras fechadas.