sexta-feira, 22 de outubro de 2010

"Se uma corda de violino pode doer, então eu era essa corda." Nabokov -Lolita
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Claro que entre um abismo e outro havia uma ponte. Tão velha e capenga que ela não se atrevia a atravessá-la. Tantas vezes pensou que o outro lado seria seguro, que as coisas voltariam a ser como eram e que a trilha sonora se transformaria fazendo com que seus ouvidos não doessem mais. Cansara de palavras. E isso a atingiu com uma grande pontada no peito. Não entendia que tipo de amor podia resultar em ódio. Não entendia a facilidade das pessoas em usar as palavras como vingança, tentando atingir o que nem podia ser atingido.
Talvez do outro lado da ponte houvesse a combinação certa de cores ou existisse paredes que não descascassem. Talvez ouvesse mais vazio do que no lado em que permanecia. Sentava no chão de terra batida, as unhas já bem sujas, a camiseta branca rasgada, os olhos pequenos e, abaixo, as olheiras que nunca a abandonara. Sequer havia café. Havia sim uma saudade que se misturava com nostalgia quando o vento vinha para dissipar o calor. Mas a saudade podia ser uma espécie de bolha que ainda a salvava de alguma coisa. Alguma coisa.
É que não sabia o que estava absolutamente errado. Sabia das pequenas decepções que surgiam em um dia e sumiam no outro. Sabia o que a esperaria lá embaixo caso quisesse pular. Mas nada disso era suficiente para fazê-la desmoronar. E o desmoronamento a atingia, uma vez por mês, sem motivo. Era por isso que continuava esperando, sentada, na beira do abismo, e não ousava pular ou atravessar a ponte: a loucura, as lágrimas e o desespero ainda não tinham a atingido neste mês. A inércia podia diminuí-lo.