quarta-feira, 22 de maio de 2013

Carta não enviada VIII

Pensei poder te dizer qualquer coisa como “a indiferença corrói o estômago”. Ou que bebi uma garrafa inteira de vinho. E depois deitei na cama e vi o teto dançar, enquanto um sorriso estava fixo nos lábios. Tudo o mais parece bloqueado. Quero falar uma frase que não se forma. Quero, pela primeira vez, dar nome a isso que se faz ser sentido. E que não possui qualquer sentido. Escondo nos dentes amarelados, na xícara de café que nunca fica vazia, no vazio que não se carrega nem um palmo de uma noite de sono para outra. Porque não há sono. 
Tudo o que há são monossílabos. Existem com sofreguidão. Existem porque uma tentativa falha ainda nasce com a noite. E não morre na luz do dia. É mais irreal do que parece. E, por favor, não me diz que bebo demais e que falo de menos. O silêncio também dói em mim. Está bordado nos meus olhos e não há nada que se possa fazer em relação a isso. Quero inventar uma mentira e pintar neles. Talvez se misture com o bordado. Uma mentira silenciada. E mais doce do que o vinho. 

 Pensei poder te dizer qualquer coisa nesta página branca. 

 Mas preferi deixá-la branca. 

 E não estragar com monossílabos a possibilidade de dizer.