sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Barbas Tortas, 23 de setembro de 2011

Querida Lissa,

setembro não termina mais. E também não se findam os pesadelos, o tempo encoberto, os finais de semana melancólicos e todos os e-mails não enviados. Estive pensando no fato de nossas vidas estarem atreladas à algo, algo que nos separa, também. E pensei em todos os sentimentos, as histórias, as minhas inventadas e a vontade inconsciente de vivê-las, as suas doces e complicadas, querendo fugir, se desconfundir. O problema é que o vinho é muito doce, as palavras amenas, a indiferença passageira. Sei que tudo está melhorando, aí. O mar deve ajudar. Você fala de cores. Talvez viva nas cores. Isso facilita. Eu as coloco em um álbum fotográfico, chamo de solidão e guardo no fundo da gaveta. São as sextas, os sábados, os domingos, as segundas e as terças. É o cansaço mental de ter de lutar contra as improbabilidades, o gotejar constante de expectativas que são suprimidas pelos olhos, esmagadas pelas certezas do caminho definido.
Ontem não teve poesia, ninguém me esperando na escada. Não te escrevi. Não escrevi para ninguém. Aliás, acho que abandonei esta tarefa. A chuva cai fininha lá fora. Não há barcos nem ondas quebrando na beira da praia. Há apenas o início de uma primavera. Eu sempre preferi o outono. Mas continuar remando me anima, mesmo quando os furos não podem ser tapados ou se descobre que o barco é de papel e pode se desmanchar com a tempestade. E quem sabe um dia desses a estrada pare de ser tão ambígua e possa continuar nos levando para longe da parte de nós que insiste em gritar, fazendo todas as prateleiras balançarem e os jarros, xícaras e enfeitas, se estraçalharem ao tocar o chão limpo.

Com carinho,

senhora M. Batata