sábado, 21 de agosto de 2010

Cervejas, bares, pessoas e música alta. E, do lado de fora, na noite quase fria com a lua enorme brilhando lá em cima, o silêncio tênue das ruas vazias. O vento traz algumas folhas secas que penetraram sorrateiramente no inverno e, junto com as folhas, desenhos de dias e anos que se perderam no tempo. Mas essas perdas são sempre encontradas.
Quando passo pela porta do bar, tarde da noite - as luzes nos postes fazendo doer meus olhos, os pés doloridos e o corpo cansado, a mente evitando qualquer tipo de conversa com qualquer tipo de pessoa - fecho os olhos e esses desenhos são atirados violentamente pelo vento no meu rosto. O choque é sempre muito grande e tenho que cuidar pras lágrimas não saírem. Isso acontece também nos shows e eu nem preciso de cervejas, vinho ou algum destilado. É espontâneo e quando não é o vento joga essas nostalgias no meu rosto. É a própria melodia que acompanha as letras cruas e reais de dias que nunca morrem.
Mas agora, ah, faz uma semana que meu rosto não é ferido e parece que faz mais de um mês. Duas semanas que não as vejo e há uma falta tão funda que dói. Sim, dói. Mas dói também a presença porque quando há essa presença existe uma desilusão tão forte que anula o amor e eu quero fugir, voltar pra casa, me trancar no quarto e dormir.
E elas não podem decifrar o brilho nos olhos. Ninguém pode. Nem eu mesma posso. Difícil saber se é pela bebida ou se a confusão se dá na felicidade ou tristeza. Sem sinônimos ou antônimos.
Mudaram os conceitos e eu me pergunto se algum dia prometemos nunca mudá-los. Mudamos os sapatos, as conversas, as cores do batom, as roupas e a essência. E agora não sei onde é que ficaram as idealizações e realidades do que éramos - e fomos, de fato- e nos completávamos por sermos dez. Um pouco de cada uma conseguia me satisfazer. Esse pouco era a felicidade das minhas manhãs, as noites de risadas altas e perdidas no eco da escuridão.
Um dia essas noites começaram a virar nasceres do sol e as decepções vieram como cacos de frascos quebrados nas mãos delicadas. As minhas sangraram. As delas não porque são de ferro. E a diferença está nessa melancolia que apenas brota de mim e não tem fim. A diferença se constrói nos meus princípios e na falta dos delas. A diferença foi se tornando cada dia mais áspera e cruel e se transformou nesse abismo em que todo mundo vive na beirada e nunca pode pular por causa do medo.
Mas é que eu não posso virar as costas e ir embora. Sem elas eu não sou. Elas construíram a estrutura de mim que foi ficando forte e resistente no passar desses anos e agora vai entortando e querendo desabar.
Então não volto pros bares, não anseio cervejas nem a lua torta no final da rua estreita. Canto a música que me fazia chorar aos dez anos e que somente agora tem significado. O telefone não toca. Nem ao menos há o desejo de que ele toque.
Ninguém entende. Ninguém precisa entender. É que eu sou o lado que sempre precisa de mais e mais e mais à medida que os dias passam rápido e me esvaziam e nada supre essa lacuna.

“O que aconteceu à nossa sociedade ou à forma como organizamos nossas vidas e fazemos trocas uns com os outros que sem o sentimento de justiça você murcha e seca que nem uma am – eu me sinto pequeno e doente pra caralho, entro num bar e sinto que tem algo errado comigo, eu costumava entrar nos bares com passos decididos, é pra isso que os bares servem, se não para os passos firmes ao menos para entrar sem prestar atenção em nada além do que você tá fazendo com os seus amigos ou com os seus pensamentos; agora parece que todos nós entramos nos bares com medo e desconfiança e é por isso que faz um tempão que eu não vou em bar nenhum porque eu acabei de chegar numa cidade estranha onde eu não conheço ninguém.” Kerouac