sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Sem título, sentido e motivos

Eu quis usar pseudônimos e batons vermelhos e realidades que não eram minhas. E acordar sem o despertador, mesmo tendo horário para chegar naquela casa de madeira, sempre com cheiro de velha ou café, nunca os dois odores. Eu quis sair na chuva, no meio do inverno, e só voltar no meio do verão, sem o vestido vermelho ou o cabelo claro. Eu quis não dar nomes aos mundos, pois algo em mim tentava deletar, sem conseguir, essas pastas que eu criei e que ele vê como caixas. Tu guarda tudo em caixas, ele me disse. A arrogância me queimando a cada palavra pronunciada. Eu sempre guardei tudo em caixas, em gavetas, em cadernos, cinco, seis, sete, mais agendas e livros que nunca vão sair da caixa marrom. E guardei uma caixa dentro da outra. E quando saí de casa, a primeira coisa que pensei em levar não foram os quadros ou as roupas, foram as caixas. Porque já não me via em outro lugar, em outras coisas, senão dentro daqueles pedaços coloridos de papelão ou madeiras desbotadas, as trancas enferrujadas. E agora que as trouxe, simplesmente não sei o que fazer com elas. Deixo-as do lado da cama, vazias, receando preenche-las com invenções que eu quero me livrar.
Eu quis usar pseudônimos e usei. E usei a chuva para disfarçar as tristezas e os barcos para afogar as certezas. E caminhei sem botas às 2h da manhã de um mês quente, sempre esquecendo que novembro é o mês mais doce e mais quente de todos, que engoliu outubro e setembro e o cansativo agosto. É isto que sobra no meu estômago depois de todo esse tempo, que mesmo tendo parecido pouco, foi mais do que alguém poderia colocar em uma partitura   e tocar ou cantar. Sobram os contos que eu prometi escrever e não o fiz, as músicas repetitivas e o sol que nasce no final de um dia cinza. Sobra a loucura desgastante que eu abandonei naquela esquina sem bar, mas que não me abandonou. Porque a cada passo apressado para pegar o ônibus está o desconforto de carregá-la na bolsa, no peito, nas mãos, cuidando para que não caia e fique em mil pedaços, e me deixe em outros mil cacos, pois a linha que nos separava foi a mesma linha que nos uniu.
Eu quis usar essas desculpas, essas que são resultantes da loucura, do abismo, e do meu repertório de palavras já bem enjoativo. Eu quis usá-las na tentativa de me livrar de mim. Ou disso que digo que faz parte de mim, que se instalou na alma, nos corredores vazios dessa espera. Eu quis escorrer para baixo de mim mesma, e só sair quando o frio surgisse, quando a neve caísse, quando todos os pesadelos fossem desmoralizados pela coleção de substantivos e nomes. Mas não consegui. E deste quase fracasso surgiu a tentativa de escorrer para cima, e sempre para cima, esperando uma chuva que não cai, em uma sexta-feira que não passa, de um mês que quase suprime o calendário, que quase suprime as vidas criadas. Mas nunca suprime.