sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Nota de sexta à noite

Os raios irrompem no céu e interrompem o choro do bebê, na casa ao lado. Olho pela janela e a chuva me mostra que todas os quartos do hospital estão com as luzes acesas. Os doentes não conseguem dormir na escuridão. Alguns nem dor sentem, por causa da morfina. Penso na palavra, tão bonita. Me lembra heroína. Me lembra amor. Um amor de herói. Um amor que dilui a dor no sangue. O céu se colore e dilui também meus pensamentos. Primeiro fica azul veludo, depois roxo, depois preto. Desvio os olhos do hospital e vejo um mendigo manco na esquina. Não basta ser mendigo. Tem quer manco e estar na chuva. Ele para e espera o sinal abrir. Não tem lugar para dormir essa noite. Não teve ontem. Talvez terá amanhã. O amanhã é sempre uma possibilidade. Não que o hoje deixe de ser. Mas o hoje está terminando. Escorre pelos dedos. Só não quebra quando cai ao chão porque é resistente demais. Só não quebra porque amanhã precisa se tornar passado.