Pela primeira vez em meses sinto-a se arrastar em mim. Vai com cautela até o centro do peito. Leio textos antigos e aspiro-a com força. Está em mim. Está em mim como um comodismo incômodo, como uma falta de ar depois de um mergulho, como o último gole de uma boa garrafa de vinho. Deito, mas não consigo dormir na escuridão. Acendo a luz, mas não consigo dormir na claridade. Ouço os carros passando e os ruídos tornam-se insuportáveis. Coloco protetores nas orelhas e mergulho no completo silêncio, mas minha mente continua cheia. Escreve cartas sem parar. Não quer se desligar do dia para encarar o sono da noite. Se não for insônia, será pesadelo. Minha mente inventa uma melodia. Meus pés se movem nos lençóis vermelhos e limpos — ensaiam um passo de balé. Crio diálogos em pensamentos, mas falo-os em voz alta. Te conto detalhes daquilo que nem havia percebido em mim mesma. Noto que os pés, apesar dos movimentos, estão gelados. Minhas mãos roçam o peito quente, onde a loucura continua a se arrastar. Ela faz tudo ser incoerente de novo. E deixo o futuro de lado para mergulhar completamente no presente, essas certezas cheias de reticências embrulhadas em um papel branco de seda.
Pela primeira vez em meses não sinto a veia romper. Também não sinto frio ou calor. Nem raiva ou solidão. Ao mesmo tempo, não é apatia. Sinto-me muito viva, mas o nervosismo consome as unhas das mãos. É essa a loucura. Tira-me do equilíbrio, da rotina acertada, das atividades programadas. Tira-me a força, a noção, a felicidade e a tristeza. Deixa-me acesa. Tira-me o sono. Dá-me o suspiro profundo; não de dor, mas de alívio. Dá-me esse alívio bajulado, inventado. E dá-me mais cicatrizes no peito também, que eu sentirei somente após a sua partida. Mas por enquanto não há partidas ou despedidas. A casa se enche e se esvazia a todo instante. Não há monotonia. Nem preocupações. Inquieta por esperar um sono que não chega, levanto e visto a roupa de balé. Danço até cansar no meio do quarto, de frente para o espelho retangular. Danço até que meus pés entrem em um processo de rejeição. As cãibras me fazem parar. E o nascer do sol, após uma noite sem sono, enche os olhos ardidos e cobre o corpo exausto. Já é dia outra vez e estou ainda mais embebida pela loucura do que na noite anterior. O café queima a língua e rasga a garganta seca. Todos os músculos do corpo doem. Penso ter sonhado que dançava balé no centro do quarto.
Já não faz mais diferença se é realidade ou sonho. As projeções se unem aos acontecimentos, formando uma massa viscosa, mas leve. A mente não arquiva em formatos. Tampouco entende o que foi passado — e o que foi criado no passado. Guarda e revive as lembranças restritas aos sentimentos. Exclui completamente os fatos, o tempo, as circunstâncias. E, no caos absoluto, a loucura faz um ínfimo corte para plantar a consternação. Não esta consternação que é desmembrada nos dicionários. A consternação da loucura faz jus ao terna, que está exatamente no meio da palavra. E nascerá também no meio do peito. Já não faz mais diferença se faz diferença, se repete ou se termina sem um ponto final
"— Cuidado — disse Hugo — para não ficar presa a suas próprias imaginações. Você instila centelhas em outros, carrega-os com suas ilusões e, quando eles explodem em luzes, você fica presa." Anaïs Nin