segunda-feira, 12 de maio de 2014

E se não fosse assim ainda assim seria assim

E de repente o vazio no meio da tarde de domingo. (Todos cessam as vozes. Restam apenas os pássaros quase cantando. Mas um cantar também meio abatido, meio cansado.) E de repente o vazio no meio do peito, como se alguém tivesse rasgado a linha que divide os seios e roubado o coração agitado. E de repente o sono e a insônia ao mesmo tempo. E de repente o caos. E de repente não mais o medo, mas a apreensão do constante vazio. E de repente o grito oprimido. E de repente um sorriso forçado, a garrafa de vinho lacrada. E de repente os pesadelos, a vizinha gritando, os cachorros latindo, o gato bebendo água da torneira, em cima da pia do banheiro, as moscas zumbindo no meu ouvido.

E de repente a pausa do vazio. A ânsia de vômito. A ânsia. O gotejar antigo. E de repente o final. O estômago revirado com a possibilidade de outro começo. E de repente outra mala para arrumar, outro banho para tomar, outra estrada para pegar e a música que não cessa. E de repente o pensamento de não conseguir pensar, de nunca consegui dizer o que não consigo falar agora. E de repente o filme da câmera que acabou. E a gata que volta com as patas molhadas da pia do banheiro.  E de repente o fim do momento. E de repente a volta do que existe sem de repentes.