domingo, 22 de setembro de 2013

Notes from the couch XV

Eu te disse que ter gritado com eles não foi uma espécie de reação. O que aconteceu foi que estou sempre distante das pessoas do mundo, mesmo que consiga tragar em excesso as tristezas delas. E que ele ter encostado uma faca em mim foi um insulto do mundo. Com a faca, não foi a minha barriga que ele perfurou, foi a bolha grossa que me protegia, que me mantinha como espectadora, que confirmava o meu estado de terceira pessoa, ainda que com as dores de uma primeira. 
Gritei porque senti raiva, porque senti que o mundo não tinha o direito de dizer que eu pertenço a ele, que vivo nele, que estou nele. Gritei com uma raiva que saiu do peito e transbordou por dentro, até sair na força e nas palavras que não foram filtradas pela minha mente. Gritei e corri atrás deles, não com a esperança de que eles devolvessem a minha paz e a minha condição de terceira pessoa, mas com a ânsia de quem mata, de quem não vê o limite entre o atingível e o inatingível. 
E foi somente quando voltei para casa que compreendi que a desistência havia cravado um espaço fundo em mim, machucando de forma definitiva a minha pele a cada talho, e que a faca na barriga, o grito, a raiva, eram só a construção do ponto final que o texto precisava ter. E entendendo que nada mais havia para ser entendido, para ser creditado, eu te disse que já não acreditava em mais nada, e que sentia vontade de ficar em casa sem nem abrir a janela, protegida da interferência do mundo. Que a casa não pertencia ao mundo externo. Que era o molde onde eu havia me adaptado. Um molde construído e pintado. Um molde costurado especialmente para os meus pés, coisa que foge completamente dos princípios do mundo.