terça-feira, 25 de junho de 2013

Outra vez eu sou a personagem principal. Não há nada mais desgastante do que ser o foco. Do que ter a luz em cima da cabeça, deixando mais claras as olheiras, as unhas roídas, os lábios cortados, os braços machucados, o couro cabeludo em carne viva. E nem danço no centro do palco porque simplesmente cortaram a música. Ora, veja bem, eu poderia dançar no silêncio. Mas não danço. Preciso, no mínimo, estar entorpecida, assim, bem de leve. E terminou o vinho. 
Outra vez eu sou a personagem principal sóbria. Que coisa opaca. Se pelo menos eu pudesse abrir a janela e ver a lua. Dividiria esse papel. Mas é que tenho medo de abrir e descobrir o céu se preparando para a chuva. Não que eu não goste de chuva. Não me interprete mal. É que eu abriria com a expectativa de ver a lua. Não abro porque toda expectativa é uma possibilidade de suicídio. Eu disse isso há um tempo, quando também fui protagonista. 
Herdei todas as frases daquela vez. Herdei todos os trejeitos também. E todas as sinas. Não dormir, por exemplo. Só não dorme quem é protagonista. Porque o nervosismo está até na pele. Coça durante a noite. O corpo vira de um lado para o outro na cama tentando achar uma posição confortável que não existe. Isto é coisa de personagem principal. Que coadjuvante fica preocupado? Preciso descobrir por que é que as pessoas pensam que primeira pessoa do singular é melhor do que terceira. Porque são egoístas? Há de ter uma explicação melhor do que esta. Enfeito as minhas meninas inventadas enquanto a luz do holofote queima em mim. Quem define essa coisa de papéis? Se sou personagem principal, deveria ao menos escolher isso. Por que me impuseram? Que culpa tenho eu?

Ei, olha só. Sei bem que tenho culpa. E que admitir isto não vai fazer diferença. Da mesma forma que negar. Então, por favor, entrega esse roteiro para outro. Já sei de tudo, entendeu? De nada vale viver o que já foi vivido. Só vai aumentar o nível das olheiras, do cansaço físico, da ansiedade. A peça não vai ter graça, compreende? Nem vai servir para drama. Ninguém gosta de drama barato.

“O que neste momento me interessa é fugir à engrenagem, saber se o inevitável pode ter uma saída”. Camus