Andei hoje pelas ruas. Primeiro de tarde, depois de noite. Andei tanto que nem me lembro se alguma vez cheguei a caminhar desta forma. Andei procurando uma resposta para o seu último e-mail. Mas tudo o que fiz foi perder. Perdi a fome e o frio e a noção de tempo. E o medo. Não tenho medo de andar à noite. A cidade é tão bonita no escuro, no seu silêncio cômodo, nos seus olhos fechados.
Sempre fui adiando a resposta para o seu último e-mail. Adiei na esperança de que ela aparecesse, sabe? Com uma esperança amena. Algo mais do que eu sempre te disse. Algo mais do que esse pessimismo barato. Do que a metáfora dos barcos e umas frases do Henry Miller. Entretanto, a cada dia que adiei esta resposta, me perdi um pouco mais. E perdi a fala também. As frases. Os diálogos.
Não sei o que é que precisa ser consertado, Lissa. Porque as coisas já chegaram a um ponto em que é impossível contornar a situação, remendar os dias, costurar as noites. Leio e releio “Além do ponto”, do Caio Fernando Abreu. E queria que essa leitura nos fosse útil, mas não é. É como cavar em um poço que já não tem mais fim. Não tem porque se chegou ao extremo do fundo. Acho que é isso: estamos no fundo do mundo. E ele pesa. Pesa e desdenha as suas dores. Pesa e sangra. Um sangue incolor e denso.
Engraçado que as pessoas gritam lá fora. Vejo a fumaça das bombas e meus olhos lacrimejam. Mas aqui só chega um ruído. Um ruído que se transforma em apatia e toma a casa. Gostaria de sentir o que elas sentem. De marchar sem rumo e cantar qualquer coisa com esperança. Mas sobra “isto”. Nem sei o que é “isto”, mas é ele quem canta em mim. Ele quem dita os pensamentos, os sentimentos e as ações.
Só posso te pedir para que não tenhas medo de enlouquecer. É pior ficar nesse limite do que aceitar a loucura. Aliás, é a lucidez que embebeda. Que afoga. A loucura acalma o que parecia demasiado agitado, quase sem volta. Não se importe com eles. E isso tudo também não é força de expressão.
O problema é que nunca conseguimos ser meio termo. Sempre somos pouco ou muito. E conseguimos transbordar até mesmo sendo pouco.
Não sei mais o que te dizer. E não foram apenas as palavras que se esgotaram.
Com amor e saudade,
M. B.