segunda-feira, 24 de junho de 2013

Barbas Tortas, 24 de junho de 2013.

Querida Lissa,

Andei hoje pelas ruas. Primeiro de tarde, depois de noite. Andei tanto que nem me lembro se alguma vez cheguei a caminhar desta forma. Andei procurando uma resposta para o seu último e-mail. Mas tudo o que fiz foi perder. Perdi a fome e o frio e a noção de tempo. E o medo. Não tenho medo de andar à noite. A cidade é tão bonita no escuro, no seu silêncio cômodo, nos seus olhos fechados. 
Sempre fui adiando a resposta para o seu último e-mail. Adiei na esperança de que ela aparecesse, sabe? Com uma esperança amena. Algo mais do que eu sempre te disse. Algo mais do que esse pessimismo barato. Do que a metáfora dos barcos e umas frases do Henry Miller. Entretanto, a cada dia que adiei esta resposta, me perdi um pouco mais. E perdi a fala também. As frases. Os diálogos. 
Não sei o que é que precisa ser consertado, Lissa. Porque as coisas já chegaram a um ponto em que é impossível contornar a situação, remendar os dias, costurar as noites. Leio e releio “Além do ponto”, do Caio Fernando Abreu. E queria que essa leitura nos fosse útil, mas não é. É como cavar em um poço que já não tem mais fim. Não tem porque se chegou ao extremo do fundo. Acho que é isso: estamos no fundo do mundo. E ele pesa. Pesa e desdenha as suas dores. Pesa e sangra. Um sangue incolor e denso.
Engraçado que as pessoas gritam lá fora. Vejo a fumaça das bombas e meus olhos lacrimejam. Mas aqui só chega um ruído. Um ruído que se transforma em apatia e toma a casa. Gostaria de sentir o que elas sentem. De marchar sem rumo e cantar qualquer coisa com esperança. Mas sobra “isto”. Nem sei o que é “isto”, mas é ele quem canta em mim. Ele quem dita os pensamentos, os sentimentos e as ações. 
Só posso te pedir para que não tenhas medo de enlouquecer. É pior ficar nesse limite do que aceitar a loucura. Aliás, é a lucidez que embebeda. Que afoga. A loucura acalma o que parecia demasiado agitado, quase sem volta. Não se importe com eles. E isso tudo também não é força de expressão. 

O problema é que nunca conseguimos ser meio termo. Sempre somos pouco ou muito. E conseguimos transbordar até mesmo sendo pouco.

Não sei mais o que te dizer. E não foram apenas as palavras que se esgotaram. 

Com amor e saudade, 
 M. B.