terça-feira, 18 de junho de 2013

O dia do aniversário do meu pai

As latas de lixo reviradas e o fogo estão espalhados pelas ruas. Formam um trajeto feito por milhares de pessoas. Não são apenas as sacolas que queimam. Queimam as palavras entoadas nem sempre no mesmo tom. Queimam no peito os gritos, que substituíram um silêncio prolongado. Queimam os anos. Queimam os lábios selados, os olhos secos, a apatia engasgada. Parece que o mundo saiu da apatia. Esta é a frase que eu mais tenho lido e ouvido. 
Não sei o que é que dizem os olhares espalhados pelas ruas. Ansiosos. Cautelosos. Furiosos. Não sei se dizem algo. Se querem dizer algo. Se todos dizem a mesma coisa. Ou se os ruídos são para ocupar esse espaço eco que o mundo é. Isto que ele se tornou nos últimos dez, vinte, cinquenta anos. E que transformou as pessoas. Talvez sempre tenha sido assim, esse buraco insólito, essa casca desenhada pela rotina e pelos rostos cansados no trem. E pelas unhas sujas e pelos estômagos vazios. E pelas mãos em forma de concha suplicando uns trocados. 
 Não sei se os gritos serão interpretados de outra forma, além de um protesto. “Um”, não. “O”. Espero que sim. Não sei se os motivos explícitos e implícitos, ou a falta de motivos, irá levar a uma revolução maior. Por enquanto, há a sobrevivência. E um desejo de que se viva. Que as pessoas vivam. E isto inclui o governo, o ônibus, o mercado, a educação, a saúde. E isto inclui a falta de filas em todos os lugares, a enganação em todos os lugares. Uma tentativa de tirar a venda. Ou, pelo menos, de cavar um buraco no pano preto e espiar. 
 Há de se ter um começo. Recomeço, não. Não se pode reciclar o que já existe. Seria continuação. Por enquanto, o caos. Ainda o medo. O receio. As ruas com ônibus em cinza. O cheiro de bosta de cavalo por todos os lados. As ambulâncias indo e vindo pela avenida. Helicópteros acordando quem estava prestes a dormir. E entretendo quem ainda espera pelo transporte público na parada. Cem, cento e cinquenta pessoas sem terem como ir para casa. Mas elas sorriem esperando. Esperam com calma. Já esperaram tanto, afinal. 

Que esta não seja uma espera em vão. Que esse apito estridente dos policiais, no início da madrugada, possa, em breve, ser abafado pelo suspiro de alívio.