segunda-feira, 15 de abril de 2013

Notes from the couch VI

Ainda há vinho e Bach – programado para tocar duas horas. O baixo chora uma letra sem palavras. Não choro com ele. Observo os tons do céu serem engolidos pelo negro. Um espaço na noite.
 
Moro em uma rua escura, em um prédio escuro, onde o único ruído é o som da televisão da vizinha surda. E a única luz é a que sai vermelha do lustre do meu apartamento, pela janela aberta. Moro em uma esquina em que se ouvem, durante o dia, buzinas de carros e ônibus. De noite, apenas o torpor dos gritos dos mendigos, dos bêbados e das prostitutas. Aqui não há cães. E a chuva anuncia com absoluta exatidão que horas vai chegar.
Vivo em uma cidade que não vive. Que atropela as horas de segunda a sexta. E que no final de semana repousa no silêncio e no vazio das ruas. Vivo em um bairro onde as pessoas sobrevivem. E seguram as suas bolsas quando esperam na parada de ônibus. E xingam o motorista, que, comovido com a loucura, apenas concorda com a cabeça.
 
Ainda há o frio que se aproxima abruptamente. Não fecho as cortinas. Nem tiro as roupas da cerca. Observo o vento dispersando os papéis da escrivaninha. Eles dançam no ar antes de pousar no chão.
 
Moro em um apartamento sete metros mais perto das estrelas. Mas nunca as vejo. Talvez se escondam atrás do prédio da frente. Talvez estejam exaustas. Talvez voltem no próximo verão. Moro em frente a uma avenida onde passam, insistentemente, ambulâncias e viaturas de polícia. Há noites em que não se pode dormir. A mente tece as histórias dessas pessoas que são levadas nos carros com as sirenes.
Vivo em um quarto cuja tinta da parede descasca. Às vezes pássaros entram pela janela, sentam em cima da caixa azul, no alto da estante dos livros, e me olham. Depois vão embora. Às vezes as lagartixas entram pela porta e ficam morando comigo por uns dias, até que eu peço para que se retirem, porque há horas em que a solidão é necessária.
 
Ainda há a fuga e o espelho sujo. Não limpo. É preciso que ele reflita o que há de mais verdadeiro ou esconda o que insiste em fugir. Não me esconde, apesar das manchas de pasta de dente.