quarta-feira, 17 de abril de 2013

Carta não enviada IV

Essa é para ser uma carta de despedida.
Há sujeira e farelos de madeira por toda a parte. Na verdade, desisti de lutar contra os bichos. Estamos todos ferrados, não é? Ontem à noite (ou há duas noites, perdi a noção do tempo) vi um louva-deus no lustre. O meu primeiro pensamento foi “como vou dormir com esse inseto aí?”. Não queria matá-lo, é claro. Ele parou na borda do lustre. Vi suas seis patas compridas, verdes, e seus olhos arregalados em uma cabeça pequena. Senti tanta dó dele! E acho que talvez ele tenha sentido de mim também. Por alguns momentos ficamos nos encarando. Depois, peguei um pedaço de madeira, fiz com que ele subisse em cima e o levei até a janela. O louva-deus não queria partir. Não queria deixar o quarto. Não queria deixar a luz do meu quarto. E uma vã esperança insiste em me dizer que ele não queria me deixar. Larguei a madeira no parapeito da janela e me deitei, ciente de que já não havia mais nada a ser feito. Não há.
E quando digo isso não estou falando sobre os bichos, sobre mim ou sobre você. Muito menos sobre nós. Estou falando sobre... tudo. Penso em dizer “abro outra cerveja”, mas acho que isso está ficando estúpido demais. Não quero soar como aquelas pessoas que escrevem só por escrever, criam um estereótipo, uma vida, um personagem. Meu deus, será que você tem noção que tenho tantos personagens – vivos – dentro de mim que estou pesada? E não é no sentido literal da palavra, não. Faz tanto tempo. E nem sei contar. Tampouco esperava o momento em que iria me sentar para escrever uma despedida. Era mais fácil antes, uma carta depois da outra, os seus olhos pequenos lendo as frases sem nexo, mas que para mim fazia sentido absoluto, mesmo que eu não entendesse o que escrevia. E eu escrevia.
Agora você vê. Quero dizer, não nos falamos, então não sei o que é que você vê. É modo de falar. Mas também não falo. Escrevo. É sempre mais fácil do que olhar nos olhos e articular as palavras, que, desesperadamente, tentam encontrar o caminho da garganta até a boca, e se perdem. Sempre se perderam, afinal. Ou saíram cuspidas, como um insulto. Não gostaria que pensasses que te insultei. Ou que fui arrogante. Por tanto tempo esperei abrir a caixa de e-mail e encontrar o seu nome lá. Não sei, não sei o que é que eu esperava que estivesse escrito, só queria vê-lo lá, em negrito, como não lido. Nem sei se eu teria lido, afinal. O que importa?
Quero me despedir. Entretanto, não sei como é que se faz isso. Nunca fiz. Sempre me esquivei e saí sem ser vista, em situações parecidas. Mas nunca houveram situações parecidas, sempre menos. Menos. Menos angustiantes. Menos doloridas. Até menos vazias do que isso que restou. Digo que restou. Seria hipocrisia da minha parte dizer que não guardo nada. É impossível que não fique. Amanhã tiro o lixo, limpo a casa e faço todas essas coisas que se deixa para o outro dia. Sim, estou desviando do assunto, porque, ao chegar ao final, meus lábios se contraem. Não sei como dizer adeus.
Talvez eu não diga. Porque, quem sabe, você nunca leia isso. Ou leia ao digitar no google “quatro faces”. Talvez você se pergunte “esse texto é para mim?”. Talvez a obviedade esteja estampada do início ao fim. Fim... que fim? A quem é que estou enganando? A mim. É isto que quero. Tantas vezes eu consegui. Por que não agora? Não sei se te engano. Talvez isso tudo seja apenas um engano.