quarta-feira, 13 de março de 2013

Peixe e agrião

Para A. 

Divagávamos sobre tudo e nada. Ao mesmo tempo. Como é que alguém pode fazer uma coisa dessas? Bem, eu não sei. Com a gente era diferente. Sempre foi. Acúmulo de cansaço. Ele nos levava para a chuva, durante o almoço, ou para a cozinha. Tudo vira salada de frutas, no final. No final da semana. Da tarde. Do mês. Daquelas gargalhadas que vinham e não nos deixavam trabalhar. Por que quem é que conseguia? 
Ela era a minha segurança do dia. E quem plantava o ânimo da noite. Em mim. Na noite. Quem discutia os conceitos mais sérios, que ninguém queria discutir. Existe pouca gente no mundo, ela dizia. E completava: pouca gente boa. Estávamos subindo as escadas daquele restaurante, aquele mesmo. Lembro bem disso. E dos peixes com agrião. E dos casacos grossos daquele inverno. E depois das roupas desconfortáveis do verão. Disséramos, certa vez, que queríamos usar somente vestidos. Inconscientemente, desde lá, minha missão tem sido colecionar vestidos. 
Nunca pensei ‘como é que somos tão diferentes e conseguimos nos dar tão bem’ porque percebi que o diferente era a casca, eram opções. Éramos (e somos) iguais nisso que é tão raro, que começa de dentro, de um dentro que é tão lá no fundo que não tem nome, e vai para os olhos. Não há como disfarçar o que está nos olhos. 
Acho que fomos e somos isso que não se explica. Porque só se explica o que é resumível. E alguns sentimentos não são flexíveis à palavra. São estes que sucumbem ao tempo. Que sucumbem o tempo. E transformam a ausência nesta lembrança que não vai ficando distante com o passar dos dias, com a construção de novas rotinas. Ela fica viva. Como se a cada almoço, mesmo que separadas por 100 quilômetros, pudéssemos caminhar juntas, na chuva, dançando uma música infantil.

"A gente vai contra a corrente até não poder resistir." Chico Buarque