sexta-feira, 15 de março de 2013

O gargalo da fala


A luz vem no meio da noite como um grito que sobe da boca do estômago até a garganta. Vem devagar que é para ser mais angustiante. O barulho do trem quebra os pensamentos de quem espera. Diane coloca os pés na fita amarela, lê o aviso de que é proibido passar da faixa. Seus olhos percorrem, em uma fração de segundo, a luz do trem quase cegando-a, o grito daquele emaranhado de sucata e a rapidez com que os vagões passam por ela. 
Pisa na faixa amarela porque dizem que é proibido. Não se atreveria a ficar na beirada da plataforma, entretanto. Mas deixar as sapatilhas brancas na fita faz com que suas mãos suem. Sente-se desafiada pelo que é proibido. Quer passar a mão direita no trem em movimento, um dedo só, talvez dois. Pensa o que pode acontecer. Na euforia que este pensamento provoca, passa o indicador quando o trem quase para. Olha-o e ri. Está preto. A euforia passa aos poucos, quando coloca os dois pés no lado de dentro do vagão do meio do trem, e já não pode mais cair no vão entre a plataforma e a porta. 
Senta-se sozinha em um banco para duas pessoas. Cola o rosto na janela, que é para ver a escuridão da noite. Mas as luzes do trem refletem no vidro. entediada, passa o dedo sujo de pó de trem na parede cor creme. Sem querer faz um desenho, um corpo em movimento, quase dançando. E o desenho do corpo quase dançando a faz lembrar-se da vontade que sente, e não sabe por que, de estar no meio do trilho e ver o trem vindo, parando pouco antes de encostar-se a ela. 
Diane pensa nisto como uma curiosidade, e não como suicídio. Não tem a menor intenção de tirar qualquer coisa de si, até mesmo porque a vida não é algo que se tira ou se coloca. Mas quer enfrentar o perigo de frente. Quer olhá-lo nos olhos cor de nada e não pronunciar palavra alguma. Quer entender o que ele é, além de uma palavra com seis letras. Mas não consegue entender porque o medo prende os seus pés no chão liso e frio. É o medo. O medo que nasceu dentro dela, mas que não faz parte dela. O medo que não dorme durante a noite, quando Diane tem pesadelos de que não consegue acordar. 
Tem 16 anos, e sua boca, sempre fechada, já é seca de tanto não falar. Não é por medo que não fala. É porque não consegue articular as frases. Quer falar com os estranhos do trem, com o homem violoncelista que entra com o instrumento e ocupa três bancos. Quer tirar a folha que está grudada na sua malha azul marinho, mas antes pedir licença. Move os pés para frente, na quase tentativa de levantar, mas depois recolhe-os novamente. Não pode. Há qualquer coisa de desconexo entre a sua mente e a sua ação. Algo que fica no caminho. Sorri para ele com o canto da boca. Depois desvia os olhos e finge ver a noite pela janela do trem.

É o máximo que pode dar de si: um sorriso tímido, as bochechas rubras e a vontade sensual de se entregar para o desconhecido.