sábado, 9 de março de 2013

A voz que não sai do alto falante



Passo pelos bares, na sexta à noite, e agradeço por não estar neles. Imagino as conversas altas disputando com a música igualmente alta. Sinto coceira. Desço na parada da esquina e caminho meia quadra até em casa. Meia hora depois, ela chega. Entra pela porta sem bater, sorri sem falar nada. Depois de dois passos, para e analisa com os olhos o quarto: a cama desarrumada, o pó cobrindo o rádio, os papéis em cima da mesa, a mesa com farelos. Não diz boa noite nem pergunta como foi o meu dia. Abre a geladeira procurando água, mas só encontra queijo, uma vodca velha e barata, uma garrafa de vinho e seis latas de cerveja. 
Olha-me com desdém. Fala que estou magro, que preciso parar de beber e de fumar, que a casa não pode ficar assim, toda bagunçada, que preciso lavar a louça, não esquecer as roupas no varal. Pelo menos limpa o cinzeiro, diz ela. Não há entonação alguma na sua voz. Mas coloca a mão esquerda na cintura, como quem quer discutir. Não existe discussão só com uma pessoa. Ignoro todos os discursos. Não sinto vontade de falar.

Vem todas as sextas, ela. Se despe e deita poucos minutos depois de tirar os sapatos no banheiro. Reclama dos lençóis sujos, dos mosquitos, dos livros desorganizados. Adormece falando. E, nos sonhos, fala também. Não durmo. Ouço Nina sonhar com a sua realidade. Carrega o peso dela enquanto faz força para esquecer. Que existe. Que tenta não existir deixando de chorar. Mas que só sente dor de cabeça com isso, segurando a água salgada até quase explodir. Eu sinto dor de cabeça por não dormir. Faz dias que não fecho os olhos, que ando de um lado para o outro no apartamento, enquanto esfrego o polegar esquerdo na palma da mão direita. Caminho na ponta dos pés para não acordá-la.

Quando minhas pernas ficam dormentes, deito com ela na cama. Sinto seu corpo quente. Apesar de tudo, Nina é quente. E a pele é macia. Meus dedos percorrem suas costas nuas. Ela não acorda. Eu não durmo. Vejo o dia clarear pelas frestas das janela. Ouço a cidade abrindo os olhos. Nina parece um anjo. Sua pele é branca e os fios pretos do seu cabelo caem até a cintura. Os lábios são grossos e quase vermelhos. Nunca passa batom. Tem as unhas das mãos bem curtas. Não as pinta. Nina abre abruptamente seus olhos, pela manhã. Encara-me como se eu fosse um desconhecido, o olhar assustado. E, aos poucos, se acostuma: lembra de quem é, em que lugar está. E ficamos em silêncio até o meio dia.
 Nina não gosta de falar pela manhã. À tarde responde algumas perguntas - que eu faço cada vez com menos frequência. À noite, finalmente acorda. E, em um curto espaço de tempo, quer dar conta do que corrói a mente. Mas não sabe que colocar para fora é ainda pior, pois falar é uma frustração. Não alivia. É um desgasto. 

 Nina fica comigo no final de semana e vai embora na noite de domingo. 

Nos amamos em nossos silêncios.