sábado, 6 de outubro de 2012

Dia 3


Cristina se escora no corrimão da parada de ônibus escura. Está embriagada. O relógio não bate 23h, mas sei que passa disso. De minuto em minuto eu confiro o celular para saber quanto demorarei a chegar em casa. Cristina quase dorme na parada, a cabeça gira, literalmente, até encostar na parede. É a primeira vez que uso o nome verdadeiro de alguém, talvez porque é o único que sei de todos esses personagens reais que eu coloco em palavras, nem sempre palavras que relatam os fatos. 
-Avisa pra Cristina quando o ônibus chegar.
Foi isso o que a amiga dela me disse, tão magra e igualmente embriagada. Pegou na mão do homem, no mínimo dez anos mais moço, e saiu pela rua, sendo engolida pela escuridão. Chama ele de amor. A única coisa que ficou dela foi o eco da gargalhada. E Cristina, que se escorou no corrimão sujo da parada escura. Cachaça, cerveja ou vinho, pensei eu. O que será que essa mulher bebeu? Será que o seu fígado aguenta bebidas baratas ou é tão frágil quanto o meu? Quantos anos ela tem? No mínimo 30. No máximo 40. Não consigo ver se tem todos os dentes. O cabelo é crespo, mas Cristina tentou fazer chapinha. A calça jeans está muito surrada, o tênis sujo, a camiseta desbotada. 
-Não precisa avisar, não. Não to mal, to bêbada. 
Respondeu sem olhar nos meus olhos. E eu, dividida entre sentir pena de Cristina e sentir o frio penetrando na minha saia, só queria chegar em casa e me embriagar também, tomar a tristeza dela para mim, inventar uma angústia e não me sentir com peso na consciência por estar feliz, enquanto Cristina e mais centenas de pessoas se amontoam nos bares, embaixo das pontes, nas saídas dos mercados, tentando encher de álcool o vazio que a vida não deixa ser afogado. Mas o meu quase sempre se afoga.