domingo, 30 de setembro de 2012

Barbas Tortas, 30 de setembro de 2012

Querida Lissa,
o mês de setembro escorreu, não em mim, mas no tempo. Sequer o notei, tão distraída que estava em tentar me manter pessimista. E não sei por que me esforcei tanto, pois desenvolvi essa capacidade de não ter esperanças há dois anos - se é que posso chamá-la de capacidade -, mesmo tendo falhado em algumas ocasiões. 
Te escrevo para dizer que não chove, mesmo quando o dia é cinza e a água não para de cair. Não chove e eu sequer me importo quando o sol queima os meus ombros, quando as sardas são ainda mais perceptíveis, quando não preciso usar as minhas galochas e inventar um guarda-chuva vermelho para a personagem que vive - ou vivia - em mim.
Acho que foi porque eu matei cada terceira pessoa criada e vivida, e depois das mortes senti o desespero. E depois do desespero senti o vazio. É só ele que faz isso. Mas deve ser completo, puro, profundo, sem um que de agonia ou esperança, sem uma xícara de chá de pêssego para aquecer o corpo, sem Dostoiévski para distrair a mente.
É olhar para um espelho sem que haja um reflexo nele, onde olheiras, apatia e sardas se misturam, não em uma única imagem, mas como três elementos soltos que procuram se agregar de alguma maneira.
Acho que foi porque eu disse que viriam outras tempestades e que as enfrentaria, mesmo sem proteção, e que colocaria música clássica para narrar o caminho dos pingos do meu cabelo até o sapato azul de veludo. É só a entrega completa, sem receios, que preserva o vazio. Algo como viver no limite. Um jogo sem regras, mas ainda assim um jogo.
E eu que deixei de esperar qualquer coisa fui surpreendida com a própria existência de fatos que se criaram sem que eu os escrevesse e passasse a vivê-los. É como se de roteirista eu passasse a protagonista, sem a possibilidade de também assistir ao espetáculo.
Te escrevo para dizer que tudo mudou, mas o externo precisou de uma reviravolta para que dentro de mim tudo se aquietasse. Te escrevo para dizer que as tempestades estão longe, por enquanto, e que espero que elas não estejam perto de ti.

Com carinho e saudade,
senhora M. Batata