domingo, 17 de junho de 2012

Consignamento

As palavras amortecem a língua, mas ficam ali, nos lábios, na saliva, impedindo a respiração pela boca. Vai ficando quente por dentro, conforme os minutos se arrastam pela manhã. Como se elas quisessem que eu dormisse para escaparem para os pesadelos. Porque a realidade parece pouco. E então, quando deito, lá vão elas para o sono. E assumem vida própria. Não são controladas pela minha mente. Criam histórias fictícias com os personagens da minha vida. Criam histórias que eu não quero. E sofro com elas quando acordo, os olhos como se tivessem jogado um punhado de sal neles, o corpo cansado, como se eu tivesse corrido, fugido de alguém, de mim. Me arrasto pelo dia, o café deixando tudo ainda mais confuso, o ar mais quente, as palavras ainda dentro, não satisfeitas. É como se eu não dormisse há semanas. E talvez não tenha dormido. Talvez apenas tenha criado a ilusão de sono. Talvez ele tenha me criado.
Às vezes elas saem secas dos lábios, o que é incoerente, e preenchem um papel sem que eu tenha consciência do que está acontecendo. Duas páginas brancas ficam cheias, o que consome pouco menos de meia hora. As frases curtas e as histórias fictícias se tornam reais, com o passar dos dias, quando as palavras petulantes percebem que não faço qualquer esforço para que elas sejam vistas por alguém. Fecho a página do word e esqueço. Elas não. É uma briga inútil. Claro que elas têm total domínio sobre mim. Se vingam com pesadelos, com sonhos que terminam com um grito, com textos que falam de mim, mesmo que na vida de outras pessoas. O dia corre assim, mesmo que passe lentamente. E, ao final de uma semana, noto que elas não desistiram.
Olho-me no espelho, já quando, entre uma gargalhada e outra, uma força no meio do peito sobe com um grito, com um choro, com um desespero. O corpo quer permanecer quieto, mas, pelo excesso de cafeína, reproduz uma ansiedade que sai com essa força. Parece irreal esse estado. E noto que as palavras trouxeram os pesadelos para a realidade. Ao contrário do que deveria ser, os pesadelos seguem no sono também. São 24 horas assim que logo se transformam em outra semana. E talvez o pior não seja o pesadelo real e o sonhado, juntos, mas o espaço mínimo entre eles. O momento da percepção. Este. Um vazio tão cheio e pesado que extrapola. E a vontade de gritar é tanta que me calo. E, aos poucos, perco a noção de tempo. Mas antes de perdê-la completamente, no vácuo mínimo, aproveito e registro o que me acontece. Para que depois, quando já não houver mais volta, eu ainda consiga relembrar o que me aconteceu.