terça-feira, 18 de outubro de 2011

Entre rascunhos vazios e cervejas intocadas
Sou o meu próprio invento e o pesadelo dos dias bons
As incertezas ecoam de cabeça para baixo

O jeito delicado como fazíamos aqueles barcos de papel, sempre com folhas brancas de caderno, para colocarmos na chuva de inverno que nunca cessava. É claro que eles acabavam afogados nas poças e pisados por estudantes que não se importavam com as vidas imaginárias que insistiam em sobreviver. É claro que nós nunca demonstrávamos a nossa tristeza, a empatia pelos barcos, a sensação estúpida de estarmos sendo pisadas a cada chuva forte que caía dentro da gente. E o engraçado é que ela nunca parou de cair, mesmo depois do meu enclausuramento repentino e do seu limitado demais para se igualar à minha condição sensível. Sensível o tempo todo. Sensível até quando não deveria ser. Nunca consegui me manter dentro dos padrões, você bem sabe. E esse sempre foi o meu problema. O seu sempre foi conseguir se manter estável, apesar da instabilidade que insistia em te apunhalar.
Ainda consigo ver o meu cachecol colorido, o seu xadrez e o vidro embaçado quando ficávamos observando por tempo demais os nossos sonhos dentro daqueles papéis sem conteúdo, navegando nas poças, dançando por causa do vento e depois afundando, lentamente, e levando para o fundo um pouco da gente. Nunca falamos sobre isso. Mas eu sempre via os seus olhos úmidos e percebia que você encarava os meus lábios secos e rachados por causa do frio. Ainda não era o tempo de batom vermelho. E não sabíamos que esse tempo viria a existir e protagonizar e deixar marcas tão profundas que não podem mais ser costuradas e cobertas por uma tatuagem. Mas o que sobrou disso é apenas uma foto em baixa resolução de três ou quatro navios ainda lutando pela sobrevivência no inverno. Eles pareciam gigantes para nós. E eram, de fato. Mas eu nunca vou te dizer que conjugo o verbo no presente.