terça-feira, 21 de dezembro de 2010


Ontem eu a vi. O rosto quase sem maquilagem, visto de perto, revelava a sua idade há tanto tempo escondida. Está na casa dos 60. Fiquei pensando no tempo que eu pegava o jornal na sexta e abria direto na página que havia a sua coluna, jornal este que, por ironia, hoje trabalho. Era estranho ler alguma coisa de alguém vivo e gostar. Sempre achei que devia haver essa distância da morte pras coisas não se estragarem. E estava certa. Mandei um e-mail pra ela e ela me respondeu com seus poemas.

Oh, Dolores, eu apenas queria a sua resposta dirigida a mim, como pessoa. Agora o seu rosto sorridente que focava qualquer coisa, menos a câmera, se perdeu. As roupas largas e de tons escuros podem refletir o seu luto, mas não te consagram como uma fada.
Teve esse tempo aí, eu tinha uns 15 anos. Mas você tem que entender que eu comecei a ler Bukowski e de longe você era quase uma cópia da Lispector. Fui te esquecendo. E, junto com o seu rosto, parei de ler as suas colunas. Talvez eu tenha cansado das suas palavras repetidas. Canso rápido de repetições. O seu disco parou de tocar, minha querida. E tudo bem que você faz parte da Academia Brasileira de Letras. Bukowski é meu herói e abominava a maior parte destas futilidades.
Engraçado ver a sua coluna sendo diagramada no jornal. Mais engraçado que isso é pegar as agendas passadas e folhear as suas colunas sublinhadas com marcador de texto amarelo. Fico pensando se, no passado, você foi uma Lolita. Nome tem. Mas o sorriso permanente bloqueia qualquer tipo de conhecimento ou imaginação. Não sei o que vive em você. Não sei quem vive em você, além das palavras.
Você fuma os seus cigarros, bebe a sua cerveja e lê antes de dormir? Talvez se você parasse de sorrir por fora, de vez em quando, também poderia parar de chorar por dentro. Há um pássaro que vive dentro de você? Ele é azul?

p.s: eu ainda gosto de você.