terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Nessa cidade que todo mundo quer tudo, ninguém tem é nada

Tânia queria tanto que fosse menos pesado. Que a cidade a engolisse um pouco menos. Que os olhos apáticos lhe sorrissem de vez em quando. Queria que o seu cansaço não se misturasse aos outros no final do expediente, que seu suor não esbarrasse em outros corpos no metrô, que as suas costas doloridas pudessem descansar em um banco confortável.

Tânia queria. Queria que o amargo dos dias fosse mais tênue, mais parecido com café sem açúcar do que com vodka barata sem refrigerante. Tânia queria conseguir escrever os poemas que faz mentalmente no transporte público, enquanto uns feixes de luz entram pela janela e caem sobre um homem idoso dormindo de pé. Queria conseguir parar de pensar por um segundo, e no lugar do turbilhão de pensamentos plantar uma certeza de que a-vida-vale-mais-do-que-isso-que-tem-sido.

Mas se pudesse não querer, Tânia não quereria. Se pudesse ser qualquer coisa, Tânia seria nada. Se pudesse escolher, não venderia seu tempo, nove horas no escritório, dor de cabeça, números, o sol nascendo e morrendo bem debaixo dos seus olhos, num prédio longo e descuidado. Se pudesse ter o dia todo para si, conseguiria tomar uma xícara de chá sossegada, e pintar, e jogar cartas, e costurar, e até fazer crochê, e (finalmente) fazer a decoração do quarto, e limpar os armários da cozinha, e sair pra passear com o pobre do cachorro que late o dia todo inconformado com a privação de sua liberdade animal. Quem sabe até considerasse a possibilidade de ter filhos, um gato e uma tartaruga.

Mas Tânia não pode. Porque todo agora é meio passo pro futuro. E todo agora está preso nesse emaranhado de precisamos-manter-o-aluguel-em-dia. Na volta pra casa, no meio do planejamento de limpar-a-casa-no-final-de-semana, Tânia pensa, mas não consegue formular isso em uma frase clara, que as pessoas estão colecionando tantos "precisamos" que acabaram deixando de lado a única coisa que realmente precisam: serem humanas.