quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A vida crônica

Capítulo 1 

- São Pedro pagou as contas – ele disse quando uma rajada de vento atingiu a árvore mais próxima e fez a sua camiseta balançar. Ergueu as mãos para o alto e arrancou o tecido de algodão gasto que cobria a sua barriga branca. Ficou somente com o copo de cerveja na mão.
Contemplei o céu e aquela dança de um homem de 50 anos no meio de uma calçada de Porto Alegre, no meio de um bar que eu nunca tinha ido, mas já sabia: aquele era o bar. O bar que eu não havia achado nos últimos 15 meses, mas que naquele final de tarde se apresentou para mim como um lugar de chuva, de vento e de cerveja barata. 
Era o dia mais quente do ano. Eu não dormia há três noites. Na última madrugada, havia colocado toalhas molhadas na cama. Nem assim consegui dormir em paz. E a única solução encontrada era beber até ficar bêbada o bastante para não sentir as ondas de calor invadindo a pele. 
Chamava-se estrela. Talvez com letra maiúscula. Não sei. Não havia letreiro no bar. Demoramos quase cinco minutos para pedir a primeira cerveja. Saíram cinco homens do fundo da loja, enfileirados. Por fim, o dono. Aspirei fundo o ar do bar, que mais era um mercado. Não havia cheiro de erva. A garrafa veio quase branca. E o líquido desceu refrescando. Em seguida o vento, os agradecimentos ao São Pedro, e as folhas voando rápidas e altas, uma cena tão linda que merecia ser filmada. 
Choveu pouco. O insuficiente para cobrir a calçada, mas o suficiente para cobrir meus olhos. Assim como os homens já de cabelos brancos, olhei para o céu quase negro e em seguida contraí as pálpebras. Também quis sentir o que vinha com a chuva. 
E veio paz, mais três ou quatro litros de cerveja, mais uma nuvem carregada de água e, por fim, o vento. Que substituiu o pôr do sol. E o bar novo. Agora, sim. Um bar digno. Um bar. Cervejas geladas. Um grito de alívio. A duas quadras de casa. No meio da rua, mas longe do mundo. Na borda do mundo. Coloco o pé para dentro e estou à mercê. Sempre estarei à mercê do mundo.