quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Notes from the couch XXI

Parece que vai chover de novo. Chover, não. Parece que vai acontecer qualquer coisa estrondosa. Chuva deve ser eufemismo. São 5 da tarde e tive de acender a luz. Nuvens pretas se instalaram do lado de fora da janela e a porta do banheiro bateu. Pulei da cadeira com o estouro. Nenhum pingo sequer caiu, mas consigo sentir o cheiro de tempestade. As árvores estão agitadas e as pessoas aumentaram o passo. Batem o pé repetidas vezes na calçada, esperado a sinaleira abrir. Estão ansiosas. Precisam correr para casa antes que qualquer coisa aconteça. 
Enquanto escrevo, uma velhinha caminha pelo andar. Escuto a sua bengala batendo no chão repetidas vezes. Já a vi caminhar por aí. Nunca sai do 3º andar. Acho que nem deve sair de casa mais do que uma vez por semana. Parece alheia ao temporal que está por vir. Caminha delicadamente, com calma. Faz a volta no andar e torna a repetir o mesmo movimento. Não há qualquer outro movimento no prédio, exceto o eco dos seus passos na lajota cinza. Na rua, pela primeira vez, o vento consegue se fazer maior do que o ruído dos carros. Parece que canta, o vento. Parece que resmungam de medo, os carros. 
Agora, o primeiro relâmpago seguido do trovão. Lembro que um dia ela me disse que ficou bebendo vinho durante a madrugada, enquanto a tempestade desmanchava as ruas de Porto Alegre. Pensei no quão bonito aquilo soava. E jurei pra mim mesma que um dia teria coragem para deixar a janela aberta no meio da noite, no meio do temporal, no meio de qualquer coisa estrondosa.

Vai acontecer. Sinto que vai. Mas não sei se meu sentido é confiável. Sempre acho que alguma coisa muito grande vai acontecer. Todo o tempo.

Eles gritam na rua. Eu desligo a música clássica e ouço o silêncio sufocado pelo vento. 

A chuva começa a cair. Parece que nunca mais vai parar de cair água no telhado.