quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Carta não enviada IX

Hoje eu te esperei em um fundo colorido. Pensei que, se o tom cinza azulado não pudesse abandonar minhas palavras, pelo menos haveria um contorno na superfície que as fariam mais amenas, mais doces. Não sei o que veem de doce em mim. Não sei por que não vejo doçura neles. Os papéis se inverteram e a lógica nunca existiu. 
Costurei barcos de papel na minha cortina branca rasgada. Quando deito na cama, olho o céu e os barcos e imagino a praia vazia, o grande silêncio arrebentado pelas ondas. Estou só. Estou só nessa cidade cheia de gente. E parece que, quanto mais gente passa debaixo da minha janela, debaixo dos meus olhos, mais se acentua a solidão. Pior do que a solidão é a mistura entre ela e a saudade. 
A única coisa que posso fazer o dia todo é te esperar. Faço tantas coisas que nem sei enumerar, mas a única constante é a espera. Está no peito, no nervosismo dos pés, nos olhos que buscam incessantemente por uma paz quase nula nessa cidade de ruídos e estrondos. Está no café que quase queima a língua, o café que eu bebo o tempo todo na esperança de expulsar o sono. Mas de mim só expulso a calma, pois é o nervosismo que acaba por se instalar. 
Enquanto te espero, olho para as esquinas como quem quer ver surgir alguém. E desejo tanto que surja que quase vejo a sua imagem vindo em minha direção, uma utopia que me acalma por um ou dois segundos. 

Vejo poesia em tudo e acho que há muito tempo perdi o foco, mas não sei se alguma vez já fui provida disto. Não sei se algum dia já fui provida de alguma coisa. 

Engulo a saliva do que digo para dentro. Engasgo. Cuspo uma, duas, três palavras. Até a produção do cuspe é demasiado exaustivo. Minhas mandíbulas cerradas, durante a noite, deixam a dor durante o dia – e a necessidade de ficar calada. 
Abro outra cerveja e te espero chegar. Quase penso que os passos no corredor são seus, embora eu saiba que você sempre caminha de forma silenciosa. Você é tão silencioso como o silêncio que eu desejo para mim. E quando fala, sua voz preenche os buracos que se formaram ao longo das esperas, ao longo dos lábios selados e das conversas nunca realizáveis com outras pessoas. Falo tão pouco que, nas raras vezes em que falo mais de cinco minutos sem parar, algo pinica dentro da minha garganta e logo começa a queimar.
Eu não acho que seja justo que alguém diga o que é justo. Tampouco que escrevam isso. Não sei o que é mais arrogante: falar ou escrever. Entretanto, a palavra falada pode ser mal interpretada, enquanto que a palavra escrita... bem, a palavra escrita reproduz exatamente aquilo que se quis falar. Te escrevo, então. Te escrevo para te dizer que te espero. Mesmo quando não te espero, estou te esperando. E nem mesmo quando durmo deixo de te esperar. O meu sono agitado – isto é, quando ele acontece – é a confirmação disto que te afirmo.