quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Das noites





Ela me diz: 

tenho fumado e bebido demais. Sei que te digo isso há anos, mas é que nunca foi tanto. E sempre que te digo isso, depois, logo depois, é bem mais do que antes. Até quando pode crescer, eu me pergunto. E assim, crescer tanto que caiba no peito, na mente. Acho que nunca coube, para ser bem sincera. Tem dias que consigo guardar. Digo assim: você precisa ficar aí. Mas logo não sou mais eu, porque cresceu tanto, tanto, que não se pode ter noção de quem se é. Acho que foi porque eu quis me perder. Eu quis. Por muito tempo me deixei ficar em esquinas. Depois fui para as ruas escuras, as que eu não conhecia. Quis me perder porque achava que só se perdendo é que se podia esquecer. E eu precisava esquecer! Oh, céus, como eu precisava. Então achava que beber ajudava. E que fumar acalmava. E fiz tudo isso sem saber que era assim que se encontrava – encontrar: exatamente o oposto de se perder. Meu Deus, como falo parecendo que estou escrevendo. E que uso dois pontos a cada quatro fases. E como falo confuso, sem ser fluído. Eu deveria parar de falar, pelo menos para dentro, sabe? Ontem no bar ele me disse que a gente vive muito para dentro e que se acontecesse uma revolução nem ligaríamos o rádio ou pegaríamos o jornal. Eu nunca sairia às ruas para lutar por um mundo que não é meu, esqueci de lhe dizer. O meu mundo está aqui dentro do quarto. Limpo ele de vez em quando. Ninguém pisa ou entra nele. É como uma bolha. Mas o que eu estava dizendo mesmo? Ah, sim, que cresceu tanto porque eu quis me perder. E querendo me perder acabei indo de encontro ao meu próprio encontro. Uma grande estupidez. Só a própria consciência é tão terrível quanto a do mundo lá de fora. E eu tive consciência das duas, ao mesmo tempo, quando me encontrei. Encontrei uma massa cinza, tão moldável como uma de modelar, mais fofa e suave, que não deixa tinta nas mãos. E eu tentei me moldar, sabe. Ainda tento. Agora mesmo tenho feito listas das coisas que preciso fazer durante o dia. Porque talvez assim eu lembre que tenho várias coisas para fazer. É o modo que encontrei de me obrigar. E de me enganar também. Porque sei bem que não vou cumprir. Que no começo até faço algumas coisas, até me finjo animada para mim mesma. Depois de um ou dois dias é que desanda. Também me disse que vou parar de beber. Só duas vezes por semana. Você está ouvindo o que estou dizendo?

Balanço a cabeça em sinal de aprovação. Também forço um sorriso para que ela não pense que desgosto do que diz. Não falo nada. Meu silêncio é a única coisa que posso lhe dar. Nada mais pode ser útil. Nada mais há de se fazer. Eu me perdi quando ela se encontrou. O seu encontro é a minha própria perda. O seu olhar lúcido e atento me distrai, me conduz a um mundo que entro de olhos fechados para não saber como me levam até lá, para que eu não decore o caminho.